Folha de S. Paulo


Imagine como seria uma delação de um alto dirigente do futebol brasileiro

Ueslei Marcelino - 16.dez.2015/Reuters
Marco Polo Del Nero, presidente licenciado da CBF, após seu nome ser incluso em lista de investigados por suspeita de corrupção na Copa do Mundo de 2014
O presidente da CBF, Marco Polo del Nero

Nem tudo que reluz é ouro, com frequência nem prata é, muitas vezes não passa de lata.

O mundo do futebol está infestado de cartolas em cujas cabeças a palavra de ordem é transgredir e enriquecer custe o que custar.

O Brasil não teria por que ser exceção, ainda mais com a impunidade de que gozam os que vivem de propinas pagas por patrocinadores ou compradores de direitos.

A regra é clara: evitar dinheiro público e se esbaldar com o privado, mesmo que o objeto a ser negociado tenha as cores da bandeira nacional, precedido sempre do hino dos que não temem a própria morte, pois a vida é curta e há que aproveitá-la.

De repente, porém, pode acontecer uma surpresa –no nosso caso motivado por estragas prazeres estrangeiros e o sossego vira pesadelo.

Como há quem prefira Miami ao Rio, o exílio no próprio país vira um tormento e a tentação de comprar o direito de viajar entra no radar que pode culminar em delação.

Imaginemos a cena a ser vivida pelo cartola que resolva dar com a língua nos dentes, disposto a abrir mão de parte da fortuna que amealhou com métodos ilícitos.

"Não aguento mais, doutor. Não posso ir a um restaurante, a não ser naqueles poucos em que sou conhecido da clientela, que me despreza, mas não me xinga. Tenho de ficar na mesa mais isolada e falar baixo. Se eu der uma gargalhada é possível que alguém tome como provocação e me chame de ladrão. Bem eu, que votei no Sérgio Cabral, no Aécio, no Eduardo Paes e no Pezão.

Ao Maracanã nunca fui mesmo, a não ser quando obrigado pelo cargo, porque futebol é paixão de tolos, de quem apenas rio por terem me enriquecido.

Mas nem ao Country Club, ali em Ipanema, eu posso ir tranquilo, porque sei o que dizem os que me veem passar, hipócritas, como se fossem mais limpos do que eu. Apenas não foram pegos, pelo menos até agora.

Sabe, doutor, eu nunca prejudiquei ninguém, ao contrário, promovi vida luxuosa para os que estiveram perto de mim, porque sempre puderam se aproveitar do laranjal que plantei em décadas no poder.

Estive com presidentes da República, trouxe megaeventos para o país e agora sou tratado com desprezo, achincalhado pela mídia, traído por gente que enriqueci. Gentinha!

Chega uma hora, doutor, que bate mesmo o desespero. Se eu fosse japonês, faria haraquiri, mas, confesso, me falta coragem para um gesto dessa grandeza.

Por isso resolvi falar com o senhor, contar tudo, mostrar que quem me acusa não é melhor do que eu.

O futebol não é uma caixinha de surpresas como dizem por aí. É uma caixa-preta, ou forte, desde sempre, que jamais foi aberta e que os americanos do FBI, polícias do planeta, resolveram abrir por inveja, reles vingança por não terem sido escolhidos para sediar a Copa do Mundo.

Dei azar, só isso. Bem na minha gestão!

E tanto é verdade, doutor, que veja só o que aconteceu: de uma situação em que ninguém era pego no varejo, pegaram um bando no atacado, uma maldade, quase todos à beira de fazer 70 anos, alguns até mais, já octogenários ou quase.

Sorte teve o Julio Grondona, aquele cartola argentino, que morreu antes.

Uma maldade, doutor".


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