Folha de S. Paulo


Virada da Ponte Preta seria mais estupefaciente que a do Barcelona

Corintiano que só saiu da fila 40 anos atrás, quando o pé direito do anjo Basílio libertou a Fiel de quase 23 anos de provações, vê fantasmas até na porta do paraíso.

Pode notar que corintiano contando vantagem antes do jogo tem menos de 45 anos.

Os que têm mais sofrem de pessimismo atávico, sempre acham que alguma coisa dará errada porque se acostumaram a perder jogos incríveis, a ver títulos escaparem até por morte de seus jogadores.

Como aconteceu com o lateral direito Lidu e o ponta esquerda Eduardo, em 1969, quando o time fazia ótima campanha, vencera todos os clássicos e sucumbiu diante do trauma que chocou São Paulo e originou o apelido de porco ao Palmeiras, por ter impedido o registro de dois substitutos.

Por mais que tenha desaparecido a marca registrada de corintiano sofredor desde 1977 e, ao contrário, aparecido a "do ano sim, ano não, Corinthians campeão", o fiel mais antigo olha desconfiado para comemorações antecipadas, até hoje se belisca quando pensa no bicampeonato mundial da Fifa e olha para Basílio como se ele fosse uma entidade, porque, bem, porque, é claro, ele, de fato, é.

Já quem nasceu de 1970 para cá é só alegria, otimista até quando o adversário é superior, caso, por exemplo, do Chelsea em 2012, no Japão, ou do Real Madrid, em 2000, no Morumbi.

A camisa ganha sozinha na visão desses afortunados, vista o Ronaldo Fenômeno ou o Romero, o Sócrates ou o Rodriguinho.

Por isso acordaram hoje festejando pela sétima manhã seguida o 28º título estadual do Corinthians, seu quinto Paulistinha neste século 21.

Que haverá de ser tão glorioso como o passado e, certamente, muito menos sofrido.

Desde que não permita que velhos fantasmas o assombrem e a Macaca, que protagonizou o fim de um pesadelo, pode vir a ser a protagonista de outro, novo e terrível, e sensacional, se ganhar por três em Itaquera e nos pênaltis –ou por quatro para não precisar deles.

É preciso ser neuroticamente cético, se corintiano, ou obstinadamente otimista, se pontepretano, para acreditar na virada campineira.

Porque se o Corinthians não é nenhum PSG, a Ponte também está longe de ser o Barcelona.

Mas, caso aconteça, a façanha será ainda maior, porque significará ser campeã, não apenas passar de fase, por mais inédita que tenha sido a goleada catalã por 6 a 1 no Camp Nou.

"Ah, você está comparando a Liga dos Campeões com o campeonato estadual?"

Não, não estou. Para a Ponte Preta é muito mais que isso.

FUTEBOL PRIVILEGIADO

O futebol paulista tem lá suas primazias.

Produziu o melhor time brasileiro de todos os tempos, quiçá melhor do mundo da história, o Santos do Rei Pelé.

Tem o clube brasileiro mais vitorioso internacionalmente, o São Paulo.

O maior campeão nacional no século 20, o Palmeiras.

E, é claro, o mais vezes campeão estadual, o Corinthians.

Aí, puxando a brasa para os quase campeões de hoje, Fernando Pessoa entra em campo para falar daquele rio, o Tejo, que "é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia".


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