Folha de S. Paulo


Sucesso de Tite não limpa imagem da Casa Bandida do Futebol

Tite errou ao assumir a seleção brasileira depois de ter assinado, em dezembro de 2015, um manifesto contra a CBF ao lado de, inicialmente, 126 personalidades, entre as quais Pelé, Chico Buarque de Holanda e Jô Soares.

O teor não permitia segunda leitura, como o seguinte trecho: "Exigimos a renúncia definitiva de Marco Polo Del Nero e sua diretoria, seguida da convocação de eleições livres e democráticas para o comando da CBF, sem a atual cláusula de barreira, mecanismo que impede a aparição de posições independentes ao sistema vigente, pois exige oito assinaturas de federações e mais cinco de clubes para candidaturas".

Em junho de 2016 o treinador passou por cima de sua assinatura e assumiu o posto para fazer da seleção uma equipe novamente respeitada pelo mundo afora, com oito vitórias consecutivas nas eliminatórias para a Copa do Mundo na Rússia e classificá-la com quatro rodadas de antecedência.

Hoje se está falando alto pelos botecos (gracias, Chico) que Tite salvou a imagem da CBF.

Mas, será?

Necessário lembrar de 1970 quando, em plena ditadura, o tricampeonato era temido como peça de propaganda de um regime que exilava, torturava e matava.

O técnico encarregado de classificar o Brasil para a Copa no México foi ninguém menos que o comunista João Saldanha.

Tudo bem, ele não assinara manifesto algum contra a então CBD e ainda tratou de dizer ao ditador de plantão para cuidar de seu ministério porque o time quem escalava era ele.

Desnecessário dizer que até os presos políticos, e são inúmeros os testemunhos, de Dilma Rousseff inclusive, acabaram seduzidos pelo magnífico futebol da seleção e torceram junto do país pelo tri.

Porque quanto pior, pior.

A ditadura não cairia com uma derrota nos gramados mexicanos assim como não sobreviveu por mais 15 anos por causa da vitória.

Nem por isso a história registra Garrastazu Médici como campeão, a não ser da tortura, por não confundi-lo com Pelé, Tosto, Gérson, Jairzinho e Rivellino.

Em tempos de show de horrores pelo país, da brutal crise de representatividade vivida de norte a sul, de leste a oeste, da pouca credibilidade até da Justiça contaminada por vaidosos atores a disputar holofotes com os das novelas da TV, imputar a Tite a responsabilidade de salvar a imagem da Casa Bandida do Futebol é um exagero.

A seleção levou de sete da Alemanha e nem por isso a CBF ruiu. Se Marco Polo não viaja e tem a companhia de Ricardo Teixeira, no máximo, dentro das fronteiras brasileiras, e se José Maria Marin curte prisão domiciliar em Nova York, nada disso tem a ver com os resultados da seleção, mas apenas com as investigações do FBI.

O torcedor não confundiu futebol e ditadura e também não o confunde com a corrupção.

Independentemente das atuações nos gramados, no Congresso Nacional a bancada da bola trata de defender a cartolagem, como se viu na CPI da CBF, estropiada pelos Romeros Jucás da vida.

Tite não faz parte do problema, mas da solução, pelo menos no futebol.

Culpá-lo por ser competente obriga que seja defendido, sem esquecer de seu pecado.

É Tite quem dá certo, não a CBF.


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