Folha de S. Paulo


A pirâmide invertida

Darren Staples/Reuters
O técnico espanhol Pep Guardiola
O técnico espanhol Pep Guardiola

Jonathan Wilson resolveu contar como os esquemas táticos foram mudando a cara do jogo de futebol através dos tempos.

Aparentemente, uma chateação para os que não são adoradores das pranchetas. Mas não.

"A Pirâmide Invertida", livro que está sendo lançado no Brasil pela editora Grande Área, que já nos deu joias como "Guardiola Confidencial" (e vem outro livro aí sobre o genial treinador catalão), "Mourinho Rockstar", "Soccer: Sucesso em Seattle" e "Gol da Alemanha", é chamado pelo mundo afora de "bíblia da tática".

Mestre Tostão o recomendou em sua coluna dominical, escreveu ser "ótimo" e obrigou mergulhar nele.

Mesmo quem prefira o improviso ao planejamento, o drible à força, a criatividade pura à inteligência programada, se impressionará com a qualidade da pesquisa de Wilson e se surpreenderá ao constatar que no peito de um amante da tática também bate um coração.

Wilson não desafina e não precisa se justificar, embora diga logo na introdução: "Muita gente me considera um fundamentalista da tática: eu não creio que a tática seja a única coisa que determina como uma equipe joga nem que seja sempre o fator mais importante no desenrolar de um jogo. Na verdade, é um fator entre tantos -talvez um fator negligenciado-, mas apenas um dos fios que se entrelaçam com o talento, a forma física, a motivação, a força e a sorte, em uma tapeçaria imensamente complexa". Viva!

A começar pelo achado de alguém ser "fundamentalista da tática", está claro que o britânico não negligencia os aspectos que os, digamos assim, impressionistas do futebol, mais prezam.

Na verdade é falsa a oposição entre a organização do jogo e os imprevistos do jogo, como é falsa a questão entre jogar bonito e perder ou jogar feio e vencer.

Fato é que, preocupado com os rumos do futebol inglês, não porque tenha sido goleado pelos alemães, mas porque o English Team jamais nem sequer decidiu uma Eurocopa -e lá se foram 15 desde 1960-, além de só ter vencido uma das 20 Copas do Mundo desde 1930, e só a Rainha e os referees sabem como, no torneio na Inglaterra, em 1966, Wilson tratou dos primórdios do jogo, inventado modernamente por seus conterrâneos, até os dias do catalão Pep Guardiola.

Por mais que tenha uma compreensível visão eurocêntrica do futebol, Wilson fica a milhares de jardas de negligenciar centros como o Brasil e a Argentina, além de surpreender com histórias sobre como os judeus colaboraram para o progresso do jogo e sobre como os elegantes cafés de Viena viveram dias como os de nossos mais simples botequins, os sujinhos, inclusive -aqueles que devem horrorizar o novo prefeito paulistano, cuja prestimosa senhora desconhece até o Minhocão.

É possível que ao chegar ao fim das 449 páginas a rara leitora e o raro leitor nunca mais vejam um jogo do mesmo jeito. É possível, também, que continuem a vê-lo como sempre viram.

Porque com o WM, o 4-2-4, 4-3-3, 3-5-1-1 ou o 4-6-0, uma coisa é certa: ninguém inventou um sistema tático que a emoção do futebol seja incapaz de vencer.

Nem, felizmente, alguém inventará.

Wilson sabe disso. Mergulhe você também.


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