Folha de S. Paulo


Sob o comando de Tite, seleção brasileira sofre de um jeito diferente

É falso dizer que a seleção brasileira mostrou, contra a peruana, que sabe sofrer. Ou melhor: não é verdade que tenha sido a primeira vez sob o comando de Tite.

A seleção sofreu e muito no primeiro tempo na estreia do treinador, em Quito, em setembro, até fazer 1 a 0 no segundo, e então marcar mais duas vezes aproveitando o desespero equatoriano.

Como sofreu até abrir o placar contra a Argentina, no Mineirão, para, depois, repetir o roteiro realizado na altitude andina.

Portanto, no mínimo, foi a terceira vez que a seleção sofreu em meia dúzia de jogos, com a terceira vitória e a manutenção de 100% de aproveitamento, 17 gols marcados, contra apenas um, que foi contra,
de Marquinhos, para a Colômbia.

É marca registrada de Tite saber sofrer, que o digam os corintianos -maloqueiros e sofredores, graças a Deus! Só que é um sofrimento normalmente diferente.

Tem mais de sensação de iminência de gol do que propriamente de perigo de gol, não sei se me faço entender.

A Argentina, por exemplo, pouco exigiu de Alisson enquanto teve o domínio do jogo. Também o Peru, embora tenha havido uma bola na trave e um pênalti não assinalado, dois lances que, convertidos em gol, poderiam mudar o jogo.

Apesar disso, imagino, mesmo que o Peru marcasse primeiro, o time de Tite tomaria as rédeas do jogo, quebraria o ritmo dos anfitriões e viraria o placar, tamanha a superioridade coletiva e individual da seleção nacional.

O corintiano, por gostar do masoquismo, sofria mais por prazer do que pelos riscos que o time corria.

O são-paulino Cueva pôs as manguinhas de fora no começo do jogo, tomou uma traulitada de Renato Augusto, viu a marcação dobrar para cima dele e aquietou-se.

O rubro-negro Paolo Guerrero nem isso, porque Marquinhos não lhe deu a menor chance.

E a expressão de Ricardo Gareca no banco revelava o quanto ele estava incomodado ao ver Renato Augusto ir jogar na ponta-direita para Philippe Coutinho desequilibrar pelo meio e Daniel Alves aparecer para triangular com os dois e encaixotar Carrillo, exatamente quem tinha acertado a trave brasileira e aparecia com vigor pela esquerda do ataque peruano.

Tudo isso somado à eficácia que o torcedor palmeirense reclama não ver em Gabriel Jesus com a camisa verde e que ele tem tido só com a amarela, ao fazer o gol que fez de azul e dar o passe do segundo.

Isso porque tem a seu lado quem tem e um treinador que não o estressa, só confia e estimula. Pode passar horas sem aparecer, mas, quando aparece, tem sido fatal, cinco gols em seis jogos, fora os passes para gols, modernamente chamados de assistências, como no basquete ou nos hospitais, sinônimo de ambulâncias. Aliás, até a bola mudou de nome na TV, não é mais a bola, é "essa bola".

Enfim, a seleção brasileira já está com passagem comprada para a Rússia e Marco Polo que não viaja não viajará porque depois de Donald Trump é capaz de Vladimir Putin passar a atender o FBI, se o cartola ainda estiver na Casa Bandida do Futebol em 2018.

E Tite, por favor, extravase, não precisa dizer que não sabe se merece tanta felicidade.

A falsa modéstia é tão constrangedora como a soberba ou a vaidade sem limites.


Endereço da página:

Links no texto: