Folha de S. Paulo


As seleções masculina e feminina precisam acreditar em si

REPRODUZO AQUI o texto de Nelson Rodrigues em que ele cita pela primeira vez o complexo de vira-latas, assim, no plural, não no singular como 11 em cada 10 citações feitas a respeito:

"A pura, a santa verdade é a seguinte: qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma: temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de 'complexo de vira-latas'. Estou a imaginar o espanto do leitor: 'O que vem a ser isso?'. Eu explico.

Por 'complexo de vira-latas' entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos 'os maiores' é uma cínica inverdade(...) Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários (...) Pois bem: e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.

Eu vos digo: o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender(...)".

Reproduzo por dois motivos:

1. o futebol feminino e o masculino têm dois desafios, nesta terça (16) e nesta quarta (17), contra a Suécia e contra Honduras e precisa acreditar em si sem se julgar inferior às suecas nem superior aos hondurenhos, por mais que, paradoxalmente, as primeiras tenham sido derrotadas por 5 a 1 na primeira fase olímpica, e os segundos, na Copa América de 2001, tenham vencido a seleção de Felipão por 2 a 0;

2. Já foi dito aqui que pior que o complexo de vira-latas é a síndrome da cadela no cio, mistura que supervaloriza a opinião estrangeira e minimiza o que vimos e sentimos na carne no dia a dia.

Ora, tem gente que só agora descobriu como o Rio é lindo, que se surpreende com o cenário do vôlei de praia ou do circuito do ciclismo, dos mais fabulosos jamais vistos.

Nada disso empalidece os defeitos da organização dos Jogos, incomparavelmente mais difíceis e arriscados de cobrir que os de Londres.

Só falta alguém aplaudir a imbecilidade dita agora pelo ministro interino do Esporte, Leonardo Picciani, ao declarar que festa é local impróprio para um jovem nadador americano, já de folga, frequentar.


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