Folha de S. Paulo


Cesse tudo que a musa antiga canta

Contra a França e seus batalhões, 75 mil vozes entoando a Marselhesa, mais Lloris, que, junto com Griezmann, eliminou os desfalcados campeões mundiais alemães, Pogba e o próprio artilheiro Griezmann, e sem Cristiano Ronaldo nem bem o jogo começara, Portugal fez em Saint-Denis o que não conseguira em casa, no Estádio da Luz, quando um apagão impediu que, sob o comando de Felipão, vencesse a fraca Grécia e ganhasse sua primeira Eurocopa.

A França jamais havia perdido uma decisão em casa, campeã europeia e mundial em 1984 e 1998, em Paris, no Parque dos Príncipes e no Estádio da França.

Era favorita para 11 de cada dez especialistas e ainda, a exemplo da final da Copa do Mundo, teve a sorte de ver um Ronaldo, o melhor do adversário, fora de combate.

Qualquer um cairia, como caíram os brasileiros sem o Fenômeno inteiro. Mas os lusos ressurgiram sem Cristiano.

Quaresma entrou para a resistência portuguesa e Rui Patrício tratou de fechar a porteira, numa cabeçada de Griezmann, num chute de Sissoko, outro de Giroud, o que vinha ficava em suas mãos.

As armas, cidadãos, desta vez, eram portuguesas: cozinhar os franceses, ficar com a bola mesmo que só para ficar, deixar o tempo passar, explorar a ansiedade dos anfitriões, levar para a prorrogação, quem sabe os pênaltis.

Não foi assim, ó pá, que a seleção portuguesa chegou à decisão, com exceção da vitória na semifinal contra País de Gales?

Antes mesmo da finalíssima o técnico Fernando Santos, bem-humorado, já anunciava: "Quero que continuem a dizer a mesma coisa: Portugal não sei o quê, o que mais, que Portugal ganhou sem merecer. Isso que eu gostaria. Portugal ganhou sem merecer. Eu ia todo contente para casa. E vou!". Pois foi.

Enquanto a França sofria, Portugal sorria à medida que o tempo corria e a prorrogação se aproximava.

A obrigação era francesa, a pressão era em azul, branco e vermelho.

Lloris salvou o que seria o gol de Nani quando faltavam 10 minutos.

Nos acréscimos, quando Gignac acertou a trave lusa, a Torre Eiffel tremeu de um lado e a de Belém, do outro, ficou mais imponente do que nunca.

Portugal especulava, os pênaltis seriam lucro, a França não se desesperava, acreditava, insistia, mas, é claro, não era o que esperava.

Uma lição de resiliência portuguesa e para todos que já viam no bom time francês uma maravilha que não é.

Sem teorias mirabolantes, o jogo, como tantos jogos, como a vida, seria decidido no detalhe.

O detalhe de mais uma defesa de Lloris na cabeçada de Éder, no fim da primeira metade da prorrogação.

Ou o travessão na falta cobrada por Guerrero, ou, finalmente, o gol de Éder, que viera do banco, de fora da área.

A Cidade Luz via o que o Estádio da Luz não viu.

Lisboa, luz boa, Portugal, enfim, achava seu lugar, no ponto mais alto do pódio europeu.

Porque o futebol é, antes de tudo, tema muito além dos técnicos e dos tecnocratas, mas dos poetas, como Luís Vaz de Camões que, no século 16, já sabia que um dia, mesmo sem o rei Cristiano Ronaldo I, Portugal chegaria ao paraíso.

Pois chegou, ó pá, e ninguém haverá de negar.


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