Folha de S. Paulo


Acabaram as zebras

Publiquei no meu blog uma deliciosa peça do humor inglês sobre como foi selecionado o time da Islândia que eliminou os ingleses, inventores do futebol moderno, da Eurocopa.

Da população da ilha escandinava, 322.529 habitantes, o cálculo vai tirando as mulheres, os menores de 18 anos, os maiores de 35, os gordos, os pastores de ovelhas, os tosquiadores de ovelhas, os cegos, o pessoal especializado em vulcões e terremotos, os banqueiros presos, um médico e um fisioterapeuta da seleção, um massagista, o técnico, que é sueco, e sobram 23 jogadores.

Os que derrotaram o English Team...

A piada é ótima, mas no país do Leicester campeão da Premier League de Chelsea, Arsenal, Manchester City e United, de Liverpool, faz pensar.

Pensar em que tudo já dito sobre não ter mais bobos no futebol, sobre o nivelamento ou sobre Honduras ter vencido o Brasil na Copa América de 2001, um ano antes do pentacampeonato mundial.

Pensar que não há mais zebras no futebol mundial.

O preparo físico, a ocupação dos espaços, os esquemas de marcação por pressão, hoje chamada de marcação alta, a resistência atlética que permite fazê-la por mais tempo que apenas no começo dos jogos, os goleiros cada vez mais espetaculares, o que magnifica suas falhas também espetacularmente, tudo isso permite que se impeça Lionel Messi de ganhar sozinho pela Argentina, como Diego Maradona já ganhou pelos hermanos e Mané Garrincha e Romário já jogaram por nós.

Em que medida o equilíbrio desequilibrou o genial Messi, se não o maior, mas o melhor jogador argentino de todos os tempos, a ponto de fazê-lo desistir da seleção?

Terá ele chegado à conclusão de que, sem Iniesta, Luisito Suárez e Neymar por perto, o único argentino a levantar copas seguirá sendo o papa?

Tomara que não, porque o dia em que o futebol prescindir dos foras de série perderá muito de sua graça, como já vem perdendo pela elitização nos estádios.

Ao lado do progresso da ciência que permite aos pequenos se agigantarem, há outro aspecto, o do vínculo dos jogadores com suas seleções nacionais.

Em relação aos islandeses não cabem dúvidas e a confraternização deles com seus torcedores na França comprova comoventemente a ligação, assim como vimos a dos chilenos novamente campeões da América.

Arturo Vidal parecia Bernardo O'Higgins, o pai da pátria chilena, ao conduzir seus companheiros à vitória.

Outra pergunta que se impõe é: passará pela cabeça de Neymar, tão irritado, e por causa disso, ausente da seleção brasileira, impotência semelhante à de seu parceiro de Barcelona?

Jogador algum quer ficar fora de sua seleção.

Alguns, porém, dão a impressão de que basta estar nela, por ser humilhante não estar, mas, em estando, o nível de sacrifício pela vitória é menor do que com a camisa do clube que lhe paga.

Talvez seja sinal do mundo globalizado, coisa que, pelo menos por enquanto, não atinge os jogadores islandeses ou hondurenhos, embora pegue os chilenos.

O Brasil que abra o olho.

Tite conseguirá o comprometimento que Dunga não conseguiu?


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