Folha de S. Paulo


Dunga calado é um poeta

Dunga abriu a dita "Semana de evolução do futebol brasileiro", promovida pela CBF, em franca involução.

Sua palestra parece ter sido planejada para marcar posição num chocante compromisso com o atraso, o que orna com a direção da entidade.

(Por sinal, é grande a expectativa por ver Marco Polo Del Nero, enfim, sair de seu autoexílio no Brasil para acompanhar a seleção brasileira na Copa América nos Estados Unidos, tamanha a confiança de seus seguidores de que a Justiça norte-americana nada tem contra ele, como o alardeado pelo cartola da Federação Pernambucana de Futebol, Evandro Carvalho. Aqui começa uma campanha para Marco Polo voltar a ser o viajante que viaja).

Retornemos a Dunga.

Fiel a seus chefes, o técnico criticou a Primeira Liga ao argumentar que é incoerente defendê-la quando se luta pela diminuição do número de jogos na temporada.

Finge desconhecer que a ideia, bem sucedida na edição inicial, com mais de 12 mil torcedores em média em seus jogos, pouco menos que o dobro da melhor média dos campeonatos estaduais, a de São Paulo, de 7.000 pagantes por jogo, é exatamente a de substituir tais torneios.

Para provar a viabilidade, aumentou sim o sacrifício nesta temporada, mas apenas excepcionalmente.

Pior foi o que Dunga disse sobre o papel do psicólogo esportivo no time da CBF.

Argumentou que, dada a pouca frequência dos jogos da seleção, a figura do profissional seria vista com desconfiança por parte dos jogadores, que não se abririam com ele, temerosos de que suas confidências fossem reveladas a seus superiores.

Textualmente: "O jogador chega na seleção depois de uma viagem de 11 horas, tem poucos dias até o jogo. Ele vai abrir o coração em meia hora? Eu vou ver o psicólogo e vou perguntar: 'Quem é esse cara? Será que ele vai contar para o dirigente? Será que ele vai contar para o treinador?'. Desculpa meu modo sincero de falar, mas eu sou autêntico. Tem coisas inviáveis na seleção brasileira".

Autêntico, é inegável. Autenticamente ignorante.

A começar por desconhecer o Código de Ética da categoria que, é óbvio, exige sigilo.

A continuar por esquecer do que o Brasil viu no comportamento dos jogadores da seleção na última Copa do Mundo, antes e durante o 7 a 1 da Alemanha, quando havia só um pronto-socorro psicológico.

Antes, na disputa de pênaltis com o Chile, quando o capitão do time, Thiago Silva, virou de costas para as cobranças e simplesmente derramou-se em lágrimas.

Durante, porque ao sofrer os dois primeiros gols germânicos o time simplesmente se desmanchou numa sucessão de falhas que parecia ser as de um bando de crianças contra uma equipe adulta.

Não foi diferente a própria experiência de Dunga quatro anos antes, na Copa do Mundo da África do Sul, quando o gol de empate da Holanda soou como castigo divino para os jogadores que, até então, se julgavam protegidos por Deus e que nada lhes faltaria.

Pois faltou um mínimo de tranquilidade, veio o segundo gol, Felipe Melo foi expulso e a seleção eliminada.

Romário foi cruel com Pelé, mas o poeta calado se chama Carlos Caetano Bledorn Verri, o Dunga.


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