Folha de S. Paulo


Anatomia de um erro

HOUVE UM erro na cirurgia do quadril de Pelé.

Sem entrar em questões técnicas que não cabem neste espaço, e independentemente da versão do operado, também não habilitado para explicá-lo, os fatos são os seguintes:

1. Pelé foi operado no Hospital Albert Einstein em novembro de 2012 pelo ortopedista Roberto Dantas, indicado por sua (de Pelé) filha, a fisioterapeuta Flávia Kurtz;

2. Pelé nem sempre seguiu à risca o tratamento fisioterapêutico para a completa recuperação, ao exagerar nos exercícios, muitas vezes sozinho, para apressar o fim das dores. Era para fazer um movimento dez vezes Fazia o dobro, vendo um jogo de futebol na televisão;

3. As dores não cessaram e Pelé mandou as radiografias pós-operatórias para o médico grego John Xethalis, em Nova York, com quem trabalhou no Cosmos quando lá jogou, entre 1975 e 1977;

4. Xethalis acusou um erro na prótese, milimetricamente menor do que deveria ser. Recomendou-se a Pelé procurar o doutor Mark Philippon, considerado o Pelé do quadril nos Estados Unidos, cirurgião especializado em medicina esportiva, que trabalha em Vail, Colorado, famosa estação de esqui e, por motivos óbvios, repleta de acidentes.

5. Philippon concordou com o diagnóstico de Xethalis e Pelé, que continuava com dores e com dificuldades ao caminhar, resolveu operar-se novamente para corrigir o problema;

6. Quem o operou no Brasil também propôs que ele ouvisse uma terceira opinião nos Estados Unidos, coisa que fez, quando foram confirmados os dois diagnósticos.

Errar erramos todos.

Nós, jornalistas, apesar de nem todos o fazerem, temos sempre a oportunidade de corrigir o erro factual e, eventualmente, consertar o prejuízo causado a terceiros.

Erros médicos são incomparavelmente mais graves, embora o jornalismo seja também tristemente célebre por assassinar reputações.

São raríssimos, porém, os casos de reconhecimento de erros médicos e dependem de avaliações dos conselhos de medicina, nem sempre isentos, porque corporativistas.

O termo máfia de branco não surgiu à toa.

Daí responsabilizar o hospital por um erro médico vai distância. Quem operou Pelé no Einstein, por exemplo, não é da equipe do hospital, que apenas cedeu seu espaço e equipamentos a um médico, registre-se, devidamente credenciado pela instituição.

Ao responder tão singelamente na entrevista que deu à Folha a razão de ter ido para os Estados Unidos para nova operação, até entrando em detalhes sobre o número de pinos para fixação da prótese, certamente não era intenção de Pelé atrapalhar a vida de ninguém, embora tenha sido perceptível, digamos, o desabafo de quem sofreu por mais de três anos entre uma cirurgia e outra, a segunda em dezembro de 2015.

Em resumo, por magoado que esteja por todo sofrimento que passou e que só agora encontra seu termo, Pelé não pretendeu afetar a reputação de quem o operou em São Paulo que, por sinal, é tido como ótimo ortopedista –e não reconhece equívoco algum.

Tudo que Pelé diz repercute mundialmente.

Não seria agora que aconteceria diferente e teria repercutido menos com a simples admissão do erro.


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