Folha de S. Paulo


O reencontro com o Rei

A vida dá voltas e peço licença para uma coluna bem pessoal.

Estive próximo do Rei Pelé entre 1993, quando o entrevistei para edição especial da maioridade da revista "Playboy", até 2001, quando nos afastamos porque, mal assessorado, topou fazer o que ficou conhecido como o "Pacto da Bola".

Ali, Edson Arantes do Nascimento se reconciliou com os cartolas da CBF, para romper menos de um ano depois. O mal estava feito e o acordo deu anos de oxigênio a Ricardo Teixeira, então em situação desesperadora.

Dado o afastamento, abdiquei de fazer a biografia do "Atleta do Século 20" e de lá para cá estive com ele duas vezes –uma no lançamento do filme "Pelé Eterno ", em 2004, e outra, em 2008, no Museu do Futebol.

A proximidade que mantivemos, ainda estreitada no período em que ele foi Ministro Extraordinário do Esporte no governo FHC, rendeu-me contratempos profissionais compreensíveis pela delicadeza em conciliar o jornalismo com a militância por um futebol mais limpo e moderno.

E criou laços de afeto, desses que nem o tempo destrói.

Um belo dia recebi um bilhete dele: "Irmãos também brigam. Uns perdoam, outros não".

Confesso que tive momentos de perguntar para mim mesmo quem eu pensava que era para ser duro com o Rei Pelé, um mito mundial badalado até pelos presidentes dos Estados Unidos.

Ele fazia com que constantemente eu lembrasse de meu pai, que sempre me dizia, quando ainda estudante intransigente: "Não exija dele mais do que ele faz em campo".

Se fora de campo Pelé continuasse sendo Pelé, não seria Pelé, seria Deus.

A entrevista concedida em 1993, em Cuenca, no Equador, onde ele estava para comentar a Copa América pela Globo, repercutiu internacionalmente, sendo replicada em não sei quantas edições de "Playboy" pelo mundo afora, além de ter sido a primeira vez que a revista brasileira repetiu um entrevistado. Pelé acusou corrupção na CBF.

O que estreitou nossa relação foi seu gesto, quando soube que seríamos ambos processados por Teixeira: "Processe só a mim porque o jornalista apenas reproduziu o que eu disse", afirmou.

O resto é história.

FHC queria que eu fosse secretário de Esportes de seu governo, sugeri Pelé como ministro e assim foi feito.

Até que houve o distanciamento.

Na última quarta-feira, no prédio desta Folha, o reencontrei.

Seu abraço inicial e suas palavras afetuosas nos recolocaram em nossos devidos lugares: o de súdito e o de majestade.

Sim, os anos passaram, não tenho mais 51 anos e o Rei tem 75.

Mantém o mesmo olhar, o mesmo sorriso, a mesma humildade, continua confundindo datas, nomes e situações, e segue generoso no trato com as pessoas.

Vê-lo de bengala, ainda em recuperação de recente cirurgia, depois de tê-lo visto fazer 1.281 gols –e ficar em pé, por mais de uma hora, para atender cerca de 120 funcionários no hotel em que estava hospedado antes de tomar posse como ministro, em 1995, deu-me a certeza de estar diante de alguém só humano, frágil, de carne e osso.

Embora com uma aura que raras vezes vi.

Além de transmitir a energia que o diferencia dos mortais.

É, foi um reencontro real. E feliz.


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