Folha de S. Paulo


Um Fla-Flu "du du du peru"

AS ARQUIBANCADAS do velho estádio paulistano eram para estar coloridas como nunca, de verde, branco, grená, preto e vermelho. Só que em São Paulo as bandeiras são proibidas...

Na curvinha do Pacaembu, uma mulher de nariz de cadáver perguntava ao acompanhante quem era a bola.

O Sobrenatural de Almeida se beliscava porque nem ele acreditava que estava vendo o que via.

Não no Maracanã, na Pauliceia. Mas a companhia de um paulista não é a maior forma de solidão?, queria confirmar, ligeiramente desconfiado de que tinha sido enganado pelo criador Nelson Rodrigues, porque, afinal, a festa dos manos era como a dos mermãos, só que em vez de puxar nos erres tinha um inconfundível acento italianado.

Quando ele viu o Gravatinha, entre, se tanto, mil tricolores, sentado no destoante tobogã —que foi Paulo Maluf quem fez se aproveitando dos tempos da arquitetura da ditadura que deixou de legado também o pavoroso Minhocão- não teve dúvida: o Fluminense venceria porque ele aparece apenas quando o Tricolor, o único verdadeiro porque os outros, segundo Nelson, são times de três cores, vai ganhar. Só que não.

A Nação rubro-negra, como é habitual, tomava conta, 29 mil: "Oh, meu Mengão, eu gosto de você, quero cantar ao mundo inteiro, a alegria de ser rubro-negro", música expropriada da mesma ditadura.

O que pensavam Diego Cavalieri e Diego Souza, ex-palmeirenses que conhecem tão bem o pedaço. E o ex-corintiano Guerrero?

Para Emerson não precisava perguntar. No gol do tobogã ele deixou sua marca ao fazer os dois gols da vitória do Corinthians sobre o Boca Juniors que valeram o título da Libertadores.

O ex-são-paulino Muricy Ramalho, convertido ao carioquismo, que é do Fla e foi do Flu, talvez lembrasse até dos tempos em que apareceu nos dentes de leite do Tricolor paulista (que Nelson desculpe a heresia).

O Fla-Flu do futebol, antes de o jogo começar, goleava o fla-flu da política, coisa baixa, sem graça, odienta, seletiva, autoritária, mentirosa. Na execução do Hino Nacional, porém, o "fora PT!" dominou as numeradas.

No Fla-Flu do futebol, ninguém tem coragem de cravar o vencedor antes de o jogo começar —ou tentar envenenar a tal ponto as torcidas que as confundem e as fazem até torcer pelo adversário.

Pobre torcida brasileira! Mesmo quando ganha, perde, que o digam os corintianos vítimas do despreparo da PM na saída de seu estádio no sábado.

O juiz apitou (estava de preto, embora sem ares de dono da bola) e o embate começou, o jogo que estaria jogado apenas quando terminasse.

O primeiro tempo, no gramado, deixou muito a desejar, duas chances claras para cada lado, dezenas de erros, e tímidas vaias no fim.

Pena que faltasse Osmar Santos, o locutor das Diretas, para criar as imagens que o Fla-Flu merece.

Teria dificuldade, porque os jogadores, incapazes de entender que participavam de um jogo diferente, desses de se destacar e entrar para a história, não colaboraram: 0 a 0.

Quando a festa acabou, e foi, fora do gramado, "du du du peru" como diria Osmar, uma constatação: nada ainda se compara a um Fla-Flu no velho Maracanã.


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