Folha de S. Paulo


Crianças, cuidado!

Na contramão das lutas da Unicef e do que prega o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a CBF quer profissionalizar menores de idade sob o pretexto de impedir a exportação de pé de obra.

Primeiramente foi a dupla Feldman$Ratto, da alta cúpula da baixa Casa Bandida do Futebol que, em "O Globo", reivindicou que se permitisse "legalmente o vínculo esportivo entre clubes formadores e jovens de 12 anos".

Ontem, nesta Folha, foi a vez de o próprio presidente interino da entidade, Marcus Vicente, bater na mesma tecla em parágrafo inteiro.

Está lá que não se profissionalizará o futebol brasileiro "sem olhar para os adolescentes que batem nas portas dos clubes aos 13 anos, sem lhes dar a 'certidão de nascimento' para o mundo do futebol já ali, sem federá-los aos 16 anos, seguiremos assistindo ao êxodo de talentos para centros em que são tratados com mais profissionalismo e onde os contratos são mais rentáveis".

Está em andamento o projeto de permitir que menores sejam presos a contratos em frontal desacordo ao que pregam os que entendem de crianças e as defendem.

A divergência entre os neocartolas é de apenas um ano: 12 ou 13.

É difícil debater com quem nem sobrenome tem, como Marcus Antônio Vicente, ainda mais depois de ele ter dirigido a federação capixaba por 21 anos sem conseguir manter nenhum time nas três principais divisões do futebol nacional. Além de ter sido denunciado, pela CPI da CBF/Nike, em 2001, por não recolher impostos e não ter registros contábeis da federação do Espírito Santo entre 1995 e 2000.

Mas o também deputado do PP, com campanhas financiadas pela CBF, é advogado e, apesar de membro da bancada da bola, jamais apresentou nada de relevante para o futebol.

É possível que, diferentemente de alguns cartolas analfabetos que precisam de mentirosas penas de aluguel, Vicente até tenha escrito ele mesmo o texto "O futebol brasileiro vai mudar".

Mas chega a ser surpreendente que, com apenas 10 dias de interinidade, já tenha tantas ideias e certezas –embora uma série de obviedades que sua turma, há décadas encastelada no poder, nunca tenha implantado.

Vicente reitera a necessidade de transparência. Poderia começar por mandar publicar o estatuto da CBF no sítio da entidade, um texto de 66 páginas que a Casa Bandida imagina manter secreto.

Não há, mais uma vez, motivo algum para acreditar no que diz o novo ninguém que desponta do anonimato.

No mesmo nobre espaço usado por ele, em "Tendências/Debates", um dia, quando o Brasil foi oficializado como sede da Copa do Mundo de 2014, Ricardo Teixeira mandou escrever que seria a Copa do capital privado. Viu-se.

Felizmente a Operação Lava Jato, também neste capítulo, arenas do Mundial, começa a revelar inúmeros malfeitos.

O velho cartola e novo presidente é apenas mais um a não entender que os escândalos que acabaram de vez com quaisquer resquícios de credibilidade da Fifa e da CBF deixou de ser problema delas, mas da Coca-Cola, da Sony, do Itaú, Ambev etc.

O futebol brasileiro vai mudar porque o futebol mundial mudará.

Não por virtude, mas por necessidade.


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