Folha de S. Paulo


A espanholização do nosso futebol

Teme-se, com razão, que ocorra no Brasil, ou já esteja em curso, um processo semelhante ao acontecido na Espanha, cujo futebol passou a ter só dois grandes protagonistas, o Barcelona e o Real Madrid, com pontadas aqui e ali de clubes como o Atlético de Madri ou o Valencia.

Basta dizer que neste século o Barça foi campeão espanhol sete vezes, o Real, cinco, o Valencia, duas (mas em 2002 e em 2004), e o Atlético, uma (ufa!, no ano retrasado).

Há a preocupação de que o mesmo ocorra por aqui, com a hegemonia de Corinthians e Flamengo.

Faz sentido e, bem geridos, os dois campeões de popularidade e audiência podem mesmo livrar distância de seus concorrentes, embora seja obrigatório lembrar que no Brasil existem clubes com massas torcedoras muito maiores do que vemos na Espanha, capazes de, também se bem exploradas, sustentar seus times.

Antes de aprofundar o tema, é bom realçar que o argumento não vale para o que está acontecendo no Brasileirão 2015.

A diferença do Corinthians para os demais, antes de revelar desnível de receitas, mostra o baixo nível técnico dos 19 outros participantes do campeonato.

Peguemos o Campeonato Espanhol da temporada passada.

O Barcelona foi campeão com 94 pontos em 38 jogos e apenas dois de vantagem sobre o eterno rival. A seguir veio o Atlético, enormes 16 pontos atrás, com o Valencia em quarto lugar, a 17 do campeão.

A fotografia hoje do Brasileirão, faltando ainda duas rodadas para completar as 38, tem o Corinthians com 80 pontos, 14 à frente do Galo, 18 adiante do Grêmio e nada menos que 24 pontos de dianteira sobre São Paulo e Internacional.

Nada justifica tamanha desproporção.

Porque a maior folha salarial é a do Palmeiras (R$ 11,5 milhões), seguido pelo Cruzeiro (R$ 11 milhões), Inter (R$ 10 milhões) e só depois vem o Corinthians (R$ 9 milhões), como o Galo. O São Paulo tem a sexta maior folha mensal com R$ 8 milhões e o Grêmio sim, apertou os cintos, com a nona folha, de R$ 5,2 milhões.

Em bom economês, trata-se de saber gastar, embora seja óbvio que o dinheiro farto possa significar vantagens, basta lembrar do Palmeiras/Parmalat, ou do Corinthians/MSI ou do Fluminense/Unimed, curiosamente, ou não, patrocinadores que desapareceram na poeira da lavagem de dinheiro ou da má gestão.

Mas voltemos à distribuição das cotas.

Embora nem Corinthians nem Flamengo concordem, assim como Real Madrid e Barcelona, uma divisão mais equânime faria bem à competitividade do Campeonato Brasileiro, com, por exemplo, 50% divididos igualmente entre todos e o restante de acordo com as colocações de cada um, audiência na TV aberta e na paga etc.

Porque no que diz respeito ao esporte a máxima que diz ser injusto tratar igualmente os desiguais deve se preocupar em valorizar mais os desiguais por serem menores e não o inverso.

Em nome exatamente de permitir que os campeonatos ganhem em emoção, algo imprescindível para lotar os estádios e permitir que todos ganhem, por mais que os donos das maiores massas torcedoras sempre levem vantagem.

Uma maneira, enfim, de tornar o capitalismo menos selvagem.


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