Folha de S. Paulo


Imundo mundo do futebol

Repito aqui o título de uma coluna que escrevi no dia 5 de março de 2002, no diário "Lance!".

O texto dizia respeito à compra de 16 votos africanos, por US$ 50 mil, para eleger Joseph Blatter presidente da Fifa e tinha, como ilustração, o cartolão entre as grades.

Ele não gostou, como era de se esperar, e acionou o colunista, mas perdeu.

A coluna em questão deplorava, também, que jornalistas assessorassem ou virassem sócios da cartolagem.

Nunca é motivo de orgulho ser processado.

É chato, perde-se tempo, a empresa gasta dinheiro para defender o jornalista e, pior, às vezes, a Justiça perde o senso e acolhe o meliante.

Sem forçar a memória, além de Blatter, cartolas como Ricardo Teixeira, Carlos Nuzman, Eduardo Farah e Eurico Miranda já me acionaram na Justiça, além de figuras como Vanderlei Luxemburgo.

Independentemente do resultado dos julgamentos, na esmagadora maioria da vezes favorável ao jornalismo, o fato é que orgulho mesmo eu tenho de jamais ter denunciado alguém que não merecesse. Nunca se cometeu alguma injustiça ou inverdade contra quem quer que seja, cartola, técnico, médico ou jornalista. Quem entrou na lista mereceu.

O que se vê agora na Fifa –ou na CBF onde José Maria Marin, o substituto do renunciante Ricardo Teixeira, está preso e quem o sucedeu, Marco Polo Del Nero, de certa forma, também está por medo de sair do país, é o mesmo fenômeno que assola as federações estaduais nacionais e boa parte dos clubes, haja vista o que acontece no São Paulo.

Na Fifa, o substituto interino de Blatter, o camaronês Issa Hayatou, está tão sujo como o suíço, e na Uefa, quem ocupa o lugar de Michel Platini, o espanhol Angel Miguel Villar, é tão investigado por corrupção como o francês.

Parece que faz parte, que é uma epidemia, que o mundo do futebol exige dirigentes desonestos.

Pegue-se o escândalo anunciado no Morumbi.

Até um advogado como Ives Gandra Martins, repleto de argumentos para fazer o impeachment de Dilma Rousseff, andou se rendendo ao compadrio mesmo diante de uma gravação que incrimina o presidente do clube, Carlos Miguel Aidar, e tentou, em vão, ajudá-lo a não ser impedido.

A situação é tão surrealista que Aidar recorreu ao ex-presidente José Eduardo Mesquita Pimenta, um dia apeado do poder no clube por denúncia, documentada numa gravação, feita exatamente por ele.

Neste imundo mundo do futebol o melhor que se tem a fazer é ficar longe do poder, e das Marias Chuteiras ou das Cínicas Cartolas, onde corre muito dinheiro, a tentação é permanente, fortunas são desperdiçadas com jogadores lentos e mulheres rápidas.

O dilema está em que para mudar é preciso estar nas entranhas do monstro devorador de caracteres e reputações.

Acontecerá o improvável para que o poder caia no colo do impoluto Zico, apesar de mal assessorado por um advogado oportunista que o levou a Del Nero, em mau início de campanha?


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