Folha de S. Paulo


Coisas de gênio

Tostão é dos poucos ídolos que tenho. Guardo reverencial distância dele, embora o sinta muito próximo e, de fato, já tenhamos vivido muito perto um do outro, mais especialmente nas Copas do Mundo na África do Sul e das Confederações, em Belo Horizonte, quando conheci aquilo que sempre soube sem saber, sua extrema generosidade e solidariedade.

Tostão é gênio da raça e ponto final, algo que os leitores desta Folha comprovam duas vezes por semana e quem o viu jogar nunca duvidou. Mas ontem ele se superou outra vez.

Desembrulhe o peixe e reveja o caderno de Esporte de ontem.

Estão em feliz sequência –e não é possível que por mera coincidência (se foi, não perguntei nem vou perguntar)– as três colunas: "Os números do jogo", do PVC, a minha,"Pato para sempre", e a dele, "Perdido no tempo".

Para quem não sabe como se faz um jornal, fica até a impressão de que ele leu os textos de seus vizinhos, de quem sei que gosta e respeita, para, então, delicadamente, reduzi-los às suas insignificâncias –mesmo que PVC, ao contrário, seja excelente e que minha falsa modéstia não me tenha em tamanha baixa estima.

Tostão pede mais empolgação e menos tecnicismo para louvar Lionel Messi no verdadeiro recital dado dias antes contra o Manchester City. Mais: denuncia o entusiasmo exagerado com a atuação de Alexandre Pato na vitória sobre o Danubio.

Poderia ter perguntado a ele se tanto PVC como eu deveríamos ter sentido dois delicados puxões em nossas orelhas.

Não perguntei porque ele iria querer saber o motivo da pergunta e, mineiro dos ótimos e no melhor dos sentidos, jamais admitiria a intenção.

Porque o que escreveu não teve mesmo endereços particulares, mas um incômodo amplo, geral e irrestrito de quem, mais que ver, antevê tendências e exageros, como diria Armando Nogueira.

Mesmo porque não só PVC relativiza a importância dos números como, permita-me, apenas me limitei a constatar a excelência de um gol, sem fazer do autor, ou dos três autores no caso, a fina flor do futebol.

PVC, aliás, chama atenção não só para quem dá o passe para o gol, modernamente chamado de assistência, termo roubado do basquete, ofensa fatal para o imortal passe, risco que daqui a pouco correrá o drible, se vier a ser tratado como mero artifício.

PVC faz referência "a quem clareia a jogada, dá o toque chave, escancara a defesa adversária" e, felizmente, não o apelida de intermediário.

No gol de Alexandre Pato, Michel Bastos teve a chave e o passe foi de Reinaldo, para embasbacar este pobre escriba.

Em sua invejável simplicidade, Tostão, o minimalista que chegou ao máximo, apenas se revolta contra a moda de "achar uma única razão que explique tudo, até o inexplicável e o incontrolável". Se diz "perdido no tempo".

Nada! Ninguém está mais achado na essência que ele, porque é do tempo que nunca passará.

Da era dos gênios.

Vida longa, Doutor Tostão!


Endereço da página: