Folha de S. Paulo


Holocausto e suásticas

"Holocausto norte zona once", em letras garrafais, eram as palavras expostas numa enorme faixa no estádio Palogrande, em Manizales, na Colômbia, por ocasião do jogo entre Once Caldas e Corinthians.

Diante da indignação manifestada por jornalistas brasileiros e pelo austríaco Robert Florencio, da revista esportiva "Ballestere", de Viena, a coluna quis saber a opinião de dois importantes editores em Bogotá.

Eis o que escreveu Erwin Guerrero Pinzon, da Editorial Temis, uma das principais editoras de livros jurídicos da América do Sul: "Ontem ouvi no rádio algo relacionado ao assunto que mencionas. Num país como o nosso, não se esqueça que somos todos macondianos, tudo pode ser. (Nota da coluna: alusão a Macondo, a cidade fantástica, irreal, criada pelo imortal Gabriel García Marquez, em sua obra-prima, "Cem anos de solidão"). A faixa existe não é de agora, diria que há mais de 10 anos, mas até aqui ninguém havia reparado nas implicações que tal escrito tem ou deveria ter.

Se eu não estiver enganado, há uma torcida do América com o mesmo nome e algumas do Milionários e do Santa Fé se identificam com suásticas e até com o rosto do narcotraficante Rodríguez Gacha.

Isso, para as autoridades, as do futebol e as outras, é manifestação 'normal', faz parte deste circo e não deve ser proibida porque seria ir contra a 'liberdade de expressão'.

Agora que cacarejam 'pós-conflito' a toda hora, deveriam começar por proibir tais manifestações ligadas à ilegalidade, à corrupção e sintomáticas de uma sociedade enferma até a medula.

Que façam um exercício jornalístico sério (será pedir muito na Colômbia?) e que os telejornais façam uma compilação de todas as torcidas uniformizadas em todos os estádios para que tenhamos consciência do ponto a que chegamos".

Já Alejandro Pérez Echeverry, editor da mais importante revista colombiana, "A Semana", respondeu: "Na verdade, é triste como as pessoas se acostumam com as barbaridades. Agora que você me escreve e me alerta, eu sinto vergonha, porque o fato é que por aqui pouco se comenta sobre isso, num desses casos que 'se ignora para pretender que não acontece'. É possível que no passado meus colegas de Manizales tenham comentado, mas já é algo visto como normal".

Tudo isso para constatar que lá, como cá, não há limites para a insânia, como diria o saudoso jornalista Geraldo Mayrink.

Sempre haverá quem tergiverse e argumente com os significados originais, seja o da palavra holocausto, seja o da cruz suástica, que nada têm a ver com o genocídio dos judeus ou com o nazismo, postura cínica de quem busca que se ignore o que os inspira desde a Segunda Guerra Mundial, exemplo acabado da banalização do mal, na expressão de Hannah Arendt.

Os torcedores uniformizados brasileiros ainda não chegaram a tal ponto, embora grande parte das agremiações que fundaram tragam o belicismo ou homenagens tortas em seus nomes. Chega!


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