Folha de S. Paulo


A melancolia do meia

Juan Román Riquelme deu adeus ao futebol neste fim de janeiro e aumentou o vazio deixado por Alex no início de dezembro passado.

Nós não merecemos. O futebol não merece.

Vai-se mais um dos derradeiros camisas 10, que os argentinos chamam de "enganche".

Sujeito estranho, Riquelme sempre foi de pouco sorrir e falar. Parecia sempre triste no gramado, como se antevisse o fim de sua estirpe.

Dia desses, Montillo, outro belo "enganche", mas sem comparações com Riquelme, diante da questão sobre o fim dos camisas 10 no futebol brasileiro, disse que também na Argentina eles são um espécime em extinção.

Ao conversarmos sobre Riquelme e seu jeito taciturno de ser, José Trajano se referiu à melancolia do meia, lembrando que talvez Gérson, o Canhotinha de Ouro, mas, também, o Papagaio, tenha sido expansivo e falado por todos os meias que frequentaram ou frequentam o patamar de gênios do futebol, aqueles capazes de resolver jogos com um passe (quem faz assistência é jogador de basquete, ou fabricante das ditas cujas para hospitais...), ou com um gol desconcertante, maestros e cérebros que obrigam seus times a girarem em torno deles, como a Terra e o Sol.

Riquelme começou e acabou a carreira, aos 36 anos, no Argentinos Juniors, mas foi extraordinário mesmo no Boca Juniors, onde conquistou três Libertadores (2000/1 e 7), e no espanhol Villarreal, que levou à semifinal da Liga dos Campeões da Europa, em 2006, abatido pelo Arsenal, quando perdeu um pênalti, depois de eliminar o Manchester United e a Inter de Milão.

Não é possível cravar que o pênalti miserável tenha sido responsável pelo seu permanente abatimento, mas fato é que Riquelme tem um perfil tão baixo que, à distância, nem parece ter 1,82m.

De passagem discreta pelo Barcelona, Riquelme fez palmeirenses, duas vezes, gremistas, cruzeirenses e corintianos sofrerem subjugados por seu talento em cinco Libertadores, mas até a seleção brasileira levou um inesquecível baile comandado por ele nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2006.

Nos primeiros 40 minutos de jogo no Monumental de Nuñes, Riquelme deu dois passes e fez um gol nos 3 a 0 do primeiro tempo, quando o famoso "toco y mo voy" argentino deu o ar de sua graça por inteiro para perplexidade de Cafu, Juan, Roberto Carlos, Kaká, Ronaldinho Gaúcho e Adriano, entre outros.

Um dos últimos românticos, só faltou a Riquelme ser canhoto, mas sobrou grandeza no esforço final ao levar o Argentino Juniors, que o revelou nas categorias de base, de volta à divisão principal argentina.

Convenhamos: Juan Román é nome de galã portenho e Riquelme bem que poderia ser um bairro de Buenos Aires, sua cidade natal.

Mas agora, quando ele deu por findos os trâmites em sua carreira, só nos resta cantar o tango, "Adiós, enganche", companheiro de nossas vidas apaixonadas pelo futebol de "el tiempo viejo que hoy lloro y que nunca volverá".


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