Folha de S. Paulo


Torcer ou não torcer

Imagino que já tenha contado aqui o que contarei de novo. Corria o ano de chumbo de 1970 e a seleção brasileira enfrentaria a romena pela Copa do México, em Guadalajara, à noite no horário daqui.
Eu cursava ciências sociais na USP e dois dias antes do jogo o professor de Sociologia, inigualável mestre Gabriel Cohn, marcou uma prova que coincidiria com o jogo.

Levantei o braço e reclamei, com todo respeito.

A classe inteira me vaiou.

Democrático, o professor criticou a vaia e levou a decisão de adiar o teste a voto. Naquela noite me dei conta que minha classe tinha 21 alunos: foi 20 a 1 pela manutenção da sabatina.

Então, dizia nossa esquerda, cada gol da seleção atrasa em dez anos a revolução brasileira.

Militante da ALN, a Ação Libertadora Nacional de Carlos Marighella, o que meus colegas desconheciam, passei a ser visto como alienado e sustentei discussões para mostrar que não permitiria que a ditadura roubasse o que eu tinha de mais íntimo, que minha paixão pelo futebol ou minha emoção sempre que ouvia o Hino Nacional não seriam usurpadas pelos que haviam assaltado o poder.

O final da história todos sabem: a seleção ganhou o tri, trouxe a Jules Rimet definitivamente para o Brasil e a História registra que os heróis da conquista foram Pelé, Tostão, Gerson, Rivellino, Jairzinho e não o general de plantão, Garrastazu Médici, o da tortura.

Doze anos mais tarde, com o país no caminho da redemocratização, num reencontro com o mestre, ouvi dele a frase que mais gosto de repetir: Não acredito em sociólogo no Brasil que não tenha as calças puídas pelas arquibancadas.

Lá atrás, como agora, politizar a torcida na Copa do Mundo, mais que bobagem, é inútil.

Porque no primeiro gol brasileiro a emoção suplantará qualquer cálculo, como então. Ainda bem.


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