Folha de S. Paulo


A chance perdida

Escrevo antes do jogo em Campinas.

Poderia perfeitamente ter escrito depois. Tempo tinha.

Mas o resultado de Corinthians e Ponte Preta é irrelevante.

O Corinthians ganhou? Os covardões que invadiram o clube se convencerão de que foram eles os responsáveis, no terror, já que não no amor.

O Corinthians não ganhou? Verá o que o espera depois de amanhã, no Pacaembu, contra o Bragantino.

Em vez de os jogadores levarem adiante o que cogitaram no sábado, capitularam diante dos mesmos velhos e falsos argumentos dos cartolas incapazes de garantir a segurança de profissionais em seu ambiente de trabalho.

Ora, passa pela cabeça de alguém que a FPF excluiria o Corinthians de seu esvaziado Paulistinha?

Ou que a Globo castigaria seu campeão de audiência?

Ou que a Caixa, cujas agências andam sendo alvos de black blocs, retaliaria seu parceiro por uma causa antiviolência com alcance muito além do futebol, quando o temor nacional é o "imagine na Copa"?

Os jogadores alvinegros, herdeiros dos que um dia protagonizaram o espetáculo da Democracia Corinthiana, coadjuvante brilhante das "Diretas Já!", tinham todos os argumentos para dar um exemplo ao Brasil e contar com a simpatia de todas as pessoas sensatas.

A própria Globo é testemunha disso, ao tirar suas equipes de narração e comentários de estádios inseguros.

Como exigir que atletas façam o papel de alpiste de gavião?

Tivessem batido o pé e honrado as chuteiras que calçam, os campeões mundiais de 2012 teriam prestado um serviço inestimável não apenas a eles, mas ao futebol e até mesmo ao país, porque teriam ido além do discurso contra a violência insana.

Talvez conseguissem que a verdadeira "torcida que tem um time" reassumisse seu papel e expulsasse os vendilhões da arquibancada.

Pensar que esganaram Guerrero, o autor dos gols no Mundial, e assim mesmo ele jogou é estarrecedor.

Ainda mais depois de uma temporada, a partir do assassinato em Oruro, em que o time pouco jogou em sua casa exatamente por causa de uma minoria que todos conhecem, a começar pelo comando do clube e a continuar pelos órgãos de segurança.

Não ter jogado ontem teria significado, no máximo, perder por W.O e assumir as consequências da atitude inédita e brava.

Quando Sócrates, ainda em fins dos anos 70, se recusou a comemorar seus gols para protestar contra ameaças de agressão, o gesto solitário era o máximo possível.

Hoje não. Quer outra excelente bandeira para o Bom Senso F.C.? Pois não há.

Pena, enorme pena que o grupo corintiano tenha visto o bonde da história passar à sua frente e desperdiçado a oportunidade. Dizem que ele não passa duas vezes.

As nações verdes e amarelas, tricolores, rubro-negras, alvinegras e as celestes agradeceriam e se encorajariam. Pena!


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