Folha de S. Paulo


A execução provisória da pena e o argumento lotérico de Alexandre de Moraes

A execução da pena a condenados por crimes no Brasil era uma loteria. O senso comum observava que não chegava a ser um jogo de azar, ao menos para determinados grupos socioeconômicos e para determinados crimes. Para estes, era um jogo perdido. Para outros, era um jogo longo em que podiam ganhar valendo-se do tempo da Justiça. Veio o Supremo, em 2016, e passou uma régua. Concorde-se ou não com o mérito da decisão, a execução provisória da pena, ou seja, a prisão depois do julgamento em segunda instância tinha o condão de cessar o tratamento desigual: a regra passava a ser a execução da pena, independentemente de cor, condição social ou crime.

O ministro Alexandre de Moraes, que não participou deste julgamento, não se furtou, como ele mesmo disse, a adiantar seu posicionamento e afirmou em sua sabatina no Senado: "Defendo o mesmo posicionamento desde 1998, o posicionamento de que o princípio da presunção de inocência, previsto na Constituição Federal, não impede nem as prisões preventivas nem as prisões em segundo grau por decisão de segundo grau", afirmou em fevereiro deste ano. E foi além, deixando clara sua posição. "Quem deve decidir sobre isso [a prisão] é o tribunal de segunda instância, exatamente porque –e esse é o fundamento jurídico que coloco– são a primeira e segunda instâncias que podem analisar os fatos, o mérito da questão, ou seja, são as primeira e segunda instâncias que podem analisar provas".

Contudo, em julgamento recente no Supremo, o ministro afirmou que as duas turmas de julgamento do STF e os juízes do tribunal decidiam a questão de forma distinta. Assim, o destino do réu dependia do sorteio do relator. Para completar, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", o ministro já se furtou a repetir o que dissera na sabatina : "Isso vai chegar ao Supremo. Aí, nos autos, vou me manifestar. Não antecipo porque é proibido pela Lei Orgânica da Magistratura". Diminuiu o tom em relação ao que falou aos senadores na sua sabatina: "O que eu disse na sabatina foi que isso não é inconstitucional. Adotar um ponto ou o outro não é inconstitucional."

Concluiu que era preciso julgar novamente o assunto para evitar que a justiça se tornasse uma loteria em que o ministro A concede a liberdade para uma pessoa mesmo depois de condenada em segunda instância, e o ministro B negue a soltura exatamente em razão da condenação por órgão colegiado. Há várias questões que se desdobram das manifestações do ministro, a do início do ano e a deste mês.

A mais clara e objetiva delas: se há ministros e Turmas que mantêm a liberdade mesmo depois da condenação em duas instâncias, é de se perguntar por que não seguem o entendimento do próprio tribunal. Seria irresignação em relação à nova jurisprudência do Supremo? Ou há situações que justificam a manutenção da liberdade? Se o motivo for a irresignação, o problema é institucional, que não se conserta com novo julgamento. Se há circunstâncias que podem afastar a execução provisória da pena, a solução não é rever a decisão anterior, mas deixar claro se o cumprimento deve ocorrer sempre (então não haveria loteria) ou determinar objetivamente em que hipóteses não deve ser adiantada a execução da pena.

Se ainda é possível conceder liminar para manter condenados em liberdade, é de se questionar em que circunstâncias isso seria possível e esperar que o tribunal defina critérios para isso.

O que hoje se projeta para o tribunal não é isso. A corte deve julgar o assunto novamente no ano que vem, e ministros que votaram a favor da execução da pena em segunda instância já indicaram que mudarão de posição. Com um adendo: o ministro Teori Zavascki, que votou pela possibilidade do cumprimento antecipado da pena, já não está mais no tribunal. Foi substituído por Alexandre de Moraes, que agora mantém mistério sobre sua posição.

Tudo indica, portanto, que o STF caminha para mudar novamente sua jurisprudência para voltar à realidade de prisões para alguns e a prescrição para outros. Uma loteria, portanto, com números e cores certos.


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