Folha de S. Paulo


O STF, a última palavra e a submissão de sua decisão ao Congresso

O poder da última palavra e o conflito entre poderes permearam o julgamento desta quarta (11) do Supremo Tribunal Federal da ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5.526) que tinha como objeto indireto a reação do Senado ao afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato, em razão das investigações deflagradas pela delação premiada de executivos da JBS.

O processo foi levado a julgamento para que o Supremo buscasse uma saída para o conflito que já se avizinhava com o Congresso, inclusive com o aviso de que poderia aprovar emenda constitucional para impedir o Judiciário de afastar parlamentares do exercício do mandato.

O resultado foi, por maioria, submeter ao crivo do poder político a decisão judicial de afastar cautelarmente um deputado ou senador do mandato.

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 11-10-2017, 14h00: Sessão plenária do STF, sob a presidência da ministra Carmen Lucia. O plenário julga hoje se é necessário aval do Congresso para a aplicação de medidas judiciais restritivas contra parlamentares, como suspensão das atividades públicas e recolhimento domiciliar. A relatoria é do ministro Edson Fachin e a decisão afeta o caso do senador afastado Aecio Neves (PSDB-MG). (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que desempatou a votação nesta quarta (11)

Não é o primeiro, não é o segundo e não será o último episódio em que o Legislativo reage a uma decisão do Supremo. Guardadas as devidas diferenças e circunstâncias, o Congresso aprovou este ano uma emenda constitucional para garantir a realização de vaquejadas no país em resposta à decisão do STF que proibiu a prática.

Voltando um pouco mais no tempo, o ministro Gilmar Mendes, monocraticamente, suspendeu em 2013 a tramitação, no Congresso Nacional, do projeto de lei que criava restrições para a criação de novos partidos. Afirmou na decisão: "Essa interferência seria ofensiva à lealdade da concorrência democrática, afigurando-se casuística e direcionada a atores políticos específicos".

Além do devido recurso judicial, o Congresso fez caminhar uma proposta de emenda à Constituição que impunha restrições à aprovação de súmulas vinculantes, aumentava o quórum para declaração de inconstitucionalidade e permitia a revisão pelo Congresso Nacional de decisão do STF no julgamento de ADI.

O conflito entre Congresso e Supremo, portanto, não é excepcional nem prova de desequilíbrio entre os poderes. A ocupação de espaço e a delimitação das competências de cada um é processo contínuo e gera naturalmente disputas.

Também não é pacífico –ou necessariamente harmônico– dizer que o Supremo tem, sempre, a última palavra. Mesmo que parlamentares tenham dito que a palavra final na interpretação da Constituição é do STF, o assunto não comporta frases feitas ou slogans.

No julgamento de ontem, as opiniões se dividiram no caso específico da possibilidade de afastamento de parlamentares do exercício do mandato. O relator do processo, ministro Edson Fachin, afirmou que a última palavra era do Supremo.

"Ao poder Legislativo, a Constituição outorgou o poder de relaxar a prisão em flagrante, forte no juízo político. Estender essa competência para permitir a revisão de, por parte do Poder Legislativo, das decisões jurisdicionais sobre medidas cautelares penais significa ampliar a imunidade para além dos limites da própria normatividade lhe é dada pela Constituição. É uma ofensa ao postulado republicano e é uma ofensa à independência do Poder Judiciário", afirmou.

O ministro Dias Toffoli fez o contraponto, em voto que compôs a maioria do Supremo.

"A finalidade precípua do controle político da prisão em flagrante de parlamentar é proteger, ao juízo discricionário da Casa Legislativa, o livre exercício do mandato eletivo contra interferências externas", disse em seu voto. "Por força dessa mesma ratio –tutela do mandato parlamentar–, a meu sentir, qualquer outro ato emanado do Poder Judiciário que importe em restrição pessoal ao livre exercício do mandato parlamentar deverá ser submetido ao controle político da Casa Legislativa", acrescentou.

Independentemente da posição que se adote, o caso reforça a percepção de que Senado e Câmara estão dispostos a avançar sobre decisões do Supremo e discutir a assertiva de que o tribunal detém a última palavra. O que isso revela? A deterioração da autoridade do STF e da solidez de suas decisões? Ou uma ação indevida do Congresso, insatisfeito com julgamentos do tribunal?

Há opiniões em vários sentidos entre advogados e acadêmicos. Mas uma resposta pode ser tirada de um texto do ministro Luís Roberto Barroso ("A razão sem voto").

"O Supremo Tribunal Federal tem a prerrogativa de ser o intérprete final do direito, nos casos que são a ele submetidos, mas não é o dono da Constituição. Justamente ao contrário, o sentido e o alcance das normas constitucionais são fixados em interação com a sociedade, com os outros Poderes e com as instituições em geral", escreveu o ministro.

Portanto, o julgamento de ontem do Supremo foi mais um sinal da normal disputa entre os poderes, concorde-se ou não com o resultado do processo, concorde-se ou não com a submissão da decisão do Judiciário ao poder político.


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