Folha de S. Paulo


Raquel Dodge e o arriscado contraponto com Janot

Pedro Ladeira - 25.jul.2017/Folhapress
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge

Há um esforço em buscar um contraponto entre a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e seu antecessor, Rodrigo Janot. Enquanto ela é descrita como discreta e cuidadosa, Janot agora é apontado como midiático e atabalhoado. Não é apenas a imprensa a se arriscar em comparações nem sempre precisas. A própria equipe de Dodge estimula esse paralelo ligeiro.

"O MP naturalmente não deixa de ser um ator político, pelas suas atribuições, que são muito grandes na Constituição", disse José Alfredo de Paula, novo coordenador do grupo de trabalho da Lava Jato na PGR, em sessão no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. "Nós vamos procurar levar para lá o que os senhores veem aqui no dia a dia. É uma atuação firme, mas responsável, com critério, com discrição, que é o estilo da futura procuradora-geral da República. Acho que é esse tipo de trabalho que se espera do Ministério Público", acrescentou.

Dodge foi elogiada, na comparação com Janot, porque definiu que sua atuação não terá como foco único a Lava Jato e o combate à corrupção. Mas valeria retornar ao discurso de posse de seu antecessor em 2013. Janot contava nos dedos das mãos a quantidade de denúncias criminais que havia oferecido na longa carreira no Ministério Público. Valeria igualmente retornar a 2014 e recordar que era a força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba quem liderava –formalmente e publicamente– as investigações da Lava Jato. Janot não tinha a operação como pauta de sua gestão. Assim como Raquel Dodge, ele considerava que a Procuradoria-Geral da República não deveria ter a pauta criminal como ponto central de sua gestão.

Dodge não é midiática. Este é outro elogio comumente feito a ela por quem quer compará-la a Janot. Parte-se, portanto, do pressuposto de que Janot era midiático. Se o era, o agora ex-procurador-geral falhou e sofreu, recentemente, um revés na disputa pela opinião pública. Janot não costumava conceder entrevistas, mas está pagando pelos vazamentos de informações de delações premiadas - condenação justa ou injusta.

Janot também é descrito como responsável por tornar o Ministério Público um ator da agenda política do país. Seria possível que a Lava Jato não fosse, por si só, um fato político capaz de embaralhar a conjuntura política do país? Cabe outra pergunta: Raquel Dodge seria uma personalidade apolítica? Isso existe? Dodge não foi a primeira colocada na lista tríplice de candidatos à PGR, mas foi a escolhida por Temer. Depois da escolha, os dois se encontraram à noite, fora da agenda pública, no Palácio do Jaburu. Ele teve o apoio de caciques do PMDB, como José Sarney, e do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, visto como aliado do governo Temer. Isso nada mais é do que política. E alguém poderia supor que o novo PGR seria escolhido se não tivesse apoios no Congresso e no Executivo, incluindo os também investigados presidentes do Senado e da Câmara?

As comparações, portanto, são arriscadas. E injustas, ao menos neste momento, pois Raquel Dodge está na vantagem de estar iniciando sua gestão, enquanto Janot está de saída depois de quatro anos de um mandato sui generis. Janot certamente cometeu acertos e erros. Dodge também terá sucessos e insucessos. E, sem dúvida, vai se aproveitar da experiência do antecessor para não repetir seus erros. Mas faz sentido pensar que ela será o contraponto dele?

Raquel Dodge e Rodrigo Janot são fiscais da lei e, sem dúvida, atuam para combater a corrupção como membros do MP que são. Partir do princípio de que a gestão Dodge já é melhor do que a do antecessor é repetir um erro cometido recentemente. Para boa parte da imprensa e dos analistas, Dodge primeiro foi vista como indicada por Temer para matar a Lava Jato. Agora, é descrita pelos mesmos como quem vai colocar as investigações em ordem. Comparações e juízos precipitados são fadados, via de regra, ao erro.

Por fim, é valioso lembrar que, no final da gestão de Roberto Gurgel, Renan Calheiros se disse aliviado com a posse de Janot, com quem poderia ter diálogo institucional. A dinâmica da Lava Jato, a cultura institucional do MP e a pressão social pelo combate à corrupção acabaram com as esperanças do senador. Dodge, como qualquer procurador, é menor que a instituição, mas ela poderá mantê-la no rumo certo.


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