Folha de S. Paulo


O que difere a atuação do STF nos processo contra Temer e Dilma?

Gil Ferreira - 12.set.2016/Agencia CNJ/Divulgação
Brasilia,DF,Brasil 12.09.2016 Posse da Ministra Carmen Lucia na Presidencia do CNJ e STF Ministra Carmen Lucia, Presidente do CNJ e STF; Michel Temer, Presidente da Republica; e Rodrigo Janot, Procurador-Geral da Republica. Foto: Gil Ferreira/Agencia CNJ ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Rodrigo Janot, procurador-geral da República, Cármen Lúcia, presidente do STF, e Temer

Os resultados dos processos contra Dilma Rousseff e Michel Temer foram distintos na política. Dilma foi investigada por crime de responsabilidade. Temer foi denunciado por crime comum. Dilma não conseguiu apoio político para barrar a denúncia. Temer obteve apoio com certa folga. A política explicará as razões para os destinos diferentes dos dois processos. Mas há outro elemento que distingue os dois casos: o protagonismo do Supremo.

No impeachment contra Dilma, o STF (Supremo Tribunal Federal) interveio em diversas ocasiões, alterando o rito definido pela Câmara e discutindo, inclusive, a ordem de votação do processo. Agora, quando oferecida a denúncia contra Temer, o Supremo manteve-se silente e negou todos os pedidos da oposição para interferir no processo. Por quê? Não há, evidentemente, razão única, mas várias explicações que, somadas, ajudam a compreender a discrição do STF.

A principal delas: no caso do impeachment de Dilma Rousseff, o Supremo funcionou como árbitro, como um ator externo. O tribunal foi acionado e atuou para estabilizar as regras do jogo. No caso Temer, o STF não seria um moderador totalmente desligado das consequências do processo. Autorizado o seguimento da investigação, caberia ao tribunal julgar se receberia ou não a denúncia contra o presidente.

Mas há outros pontos:

  1. Dilma Rousseff foi acusada de crime de responsabilidade no caso conhecido como pedaladas fiscais. A conformação do crime de responsabilidade é muito mais aberta do que uma denúncia por crime comum. E o fato atribuído à então presidente dividia opiniões, inclusive no Supremo. Por isso, houve por parte do STF um cuidado redobrado com o direito de defesa da presidente. Temer foi denunciado por corrupção passiva com base nos indícios colhidos —inclusive uma gravação— na delação de executivos da JBS. Por mais que a defesa questione a validade das provas e os termos da denúncia, a conformação do crime de corrupção é menos subjetiva.
  2. O impeachment do presidente da República é um processo político, mas não escapa de ter também contornos jurídicos (até por isso alguns ministros do Supremo entendem ser o impeachment um processo político-jurídico). Sendo o Congresso Nacional um poder político, questões jurídicas poderiam ser corrigidas no Judiciário. O seguimento da denúncia contra Temer por crime comum era uma opção claramente política da Câmara. Não havia necessidade de a Câmara justificar juridicamente sua decisão.
  3. A legislação sobre o processo de impeachment deixava diversas brechas que poderiam ser usadas por um lado ou por outro para chegar ao resultado de seu interesse. Acionar o Judiciário para sanar as dúvidas no trâmite do processo era visto como algo natural, inclusive pelo STF. O cenário era outro no caso de denúncia por crime comum. O rito da autorização para a instauração de processo criminal contra o presidente está minuciosamente definido no regimento interno da Câmara.
  4. O processo contra a presidente Dilma Rousseff foi presidido pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Cunha manobrava o regimento e o processo conforme seus interesses políticos e pessoais. Ao menos era assim que viam alguns ministros do STF. O deputado Rodrigo Maia (PMDB-RJ) presidiu o processo contra Temer de maneira diferente. Não foi acusado pela oposição nem pelo presidente da República —de quem é aliado— de atropelar ou retardar o julgamento político.
  5. Por fim, cabe suscitar uma dúvida: o Supremo interferiu mais no impeachment de Dilma Rousseff porque seus integrantes enxergavam mais chance de uma decisão judicial alterar os rumos do processo? O impeachment de Dilma foi um processo longo e, olhando retrospectivamente, uma decisão contra a presidente não era tão previsível quanto a manutenção de Temer na aliança PMDB-DEM-PSDB.

Por estes fatores, isolados ou somados, e por outros que aqui podem não ter sido mencionados, o Supremo manteve-se distante do processo político. Em tempos de interferências polêmicas do Judiciário sobre o Legislativo, a contenção do STF no caso Temer é digna de nota.


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