Folha de S. Paulo


Democracia ou Estado policial? O que o STF diz da delação da JBS

Pedro Ladeira/Folhapress
Manifestantes a favor da Operação Lava Jato fazem protesto na Praça dos Três Poderes, em frente ao STF.
Manifestantes a favor da Operação Lava Jato protestam na Praça dos Três Poderes, em frente ao STF

Cinco minutos à porta do plenário da Primeira Turma do Supremo nessa terça-feira (23). Dois ministros passam em momentos diferentes e comentam, em caráter reservado, o cenário de crise que o país vive. Os dois, claro, tratam dos acontecimentos pelo prisma do Judiciário. Um vê o Estado policial tomando conta do país; o outro afirma que enfim criminosos que vivem da política estão sendo punidos pelo Judiciário. Duas opiniões no intervalo de cinco minutos exatamente no mesmo metro quadrado. Quem estará certo?

A crítica à formação —ou consolidação— de um estado policial voltou ao debate com o acordo de colaboração premiada firmado pela Procuradoria-Geral da República com líderes da empresa JBS. Joesley Batista, sócio, e executivos da empresa, devidamente treinados por advogados para construir um acordo de delação, disseram ter pago aproximadamente R$ 500 milhões de propina a 1.829 candidatos às eleições de todo o país. Joesley ainda gravou uma conversa noturna e reservada com o presidente da República, Michel Temer, e ofereceu o áudio ao Ministério Público Federal para conseguir um bom acordo. Conseguiu.

Joesley e os executivos da empresa, a despeito dos crimes confessados e do volume de propina pago a políticos de todos os espectros partidários, estão imunes. Joesley mudou-se para Nova York enquanto suas revelações incendeiam a crise no Brasil. De quebra, ainda lucrou com a instabilidade política decorrente de suas revelações —fato que será investigado e que não está imune a punições. O caso sintetizou à perfeição as críticas que juízes, procuradores, advogados e políticos vêm fazendo à aplicação da lei que regula os acordos de colaboração premiada. E no centro da polêmica está o Ministério Público e seu amplo poder para firmar pactos com delatores.

Em artigo publicado no UOL, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, buscou responder às críticas: "como procurador-geral da República, não tive outra alternativa senão conceder o benefício da imunidade penal aos colaboradores, alicerçado em três fortes premissas: a gravidade de fatos, corroborados por provas consistentes que me foram apresentadas; a certeza de que o sistema de justiça criminal jamais chegaria a todos esses fatos pelos caminhos convencionais de investigação; a situação concreta de que, sem esse benefício, a colaboração não seria ultimada e, portanto, todas as provas seriam descartadas".

Dúvidas e críticas, contudo, permanecem e permanecerão. Controvérsias sobre a possível edição dos áudios. Críticas a ser esta uma delação "super premiada". Questionamentos sobre a correta aplicação da lei que regula as delações premiadas. Reclames sobre a divulgação dos termos de delação, o que poderia gerar prejuízos graves para os delatados mesmo antes da apuração sobre a veracidade dos fatos. Objeções à concentração de poder nas mãos do procurador-geral da República. São desconfianças legítimas.

Por outro lado, o país viu e vê os vícios do seu processo político. E não são os debates no Congresso, na academia ou os resultados das urnas que revelaram isso de forma tão dramática. Foram as operações policiais decorrentes das investigações do Ministério Público, especialmente aquelas embasadas em acordos de delação. Se todos sabiam que o modelo de financiamento de campanha era este, lastreado em propinas, por que ficaram inertes? Somente quando Marcelo Odebrecht, Joesley Batista e outros contaram seus procedimentos foi possível começar a julgar políticos antes inatingíveis.

O momento comporta visões distintas. Conforme as declarações dos dois ministros do Supremo citados no início deste texto, o Brasil caminha para "um Estado do Ministério Público"; para o outro, estamos correndo o sério risco de "cair em uma República".


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