Lá se vão quase 50 anos da publicação de um livro clássico, cujo título ainda hoje faz algum sentido: "O Supremo Tribunal Federal, Esse Outro Desconhecido". Aliomar Baleeiro, ministro do STF e autor do livro, chamou para si a incumbência de explicar, em 206 páginas, o funcionamento do tribunal. Nesta quinta-feira (9), o JOTA inicia uma parceria com a Folha com o mesmo objetivo: analisar e explicar para os leitores as decisões e comportamentos deste Supremo Tribunal Federal, hoje bastante conhecido, mas ainda envolto em incompreensões.
Baleeiro descreveu um Supremo bastante distinto do que é hoje. A Constituição de 1967 estabelecia atribuições bastante tímidas se comparadas às competências dadas pela Constituição de 1988. As sessões do tribunal não eram transmitidas pela TV Justiça. Nem o áudio dos julgamentos podia ser gravado ou transmitido pelos jornalistas. Não havia na Corte comitê de imprensa para facilitar o trabalho dos repórteres. Até porque os jornais se concentravam na cobertura do Executivo e do Legislativo. O Supremo só era notícia quando um caso polêmico era levado a julgamento.
No cenário político, a inserção do tribunal também era distinta. O STF ainda não havia conhecido plenamente o equilíbrio entre os Poderes e o protagonismo que assumiria décadas depois. Diante de um Executivo hipertrofiado e do Legislativo como verdadeira arena dos embates políticos e sociais da época, o Supremo era lateral.
Naquela década de 60, o tribunal havia apoiado o golpe militar, com seu presidente Ribeiro da Costa fazendo manifestações públicas em favor da derrubada do presidente João Goulart. Em 1965, foi empacotado pelo Ato Institucional 2, que ampliou o número de ministros para diluir os poderes daqueles juízes que foram indicados por governos anteriores. Baleeiro foi um dos que entrou no STF por esta porta. Em dezembro de 1968, o governo militar atingiria o tribunal com o AI-5, cassando três de seus ministros e levando dois a se aposentarem —para não serem também cassados, conforme os colegas registraram na época e como indicam registros oficiais. Um período conturbado, que será abordado num livro que a Companhia das Letras publicará em breve.
O Supremo hoje não é coadjuvante. A Lava Jato, a judicialização da política e das grandes questões sociais expuseram o STF à sociedade. A TV Justiça transmite os julgamentos, os diferentes argumentos e as controvérsias internas. Mas a cada decisão polêmica, a cada disputa mediada pelo Supremo, a cada declaração pública de um ministro, a cada flerte ou incursão do tribunal no mundo da política, os cidadãos telespectadores se questionam: isso pode? O que isso significa? Essa decisão é política? É técnica? Pode um ministro antecipar suas opiniões dessa forma? Quem são esses 11? De onde eles vêm? O que pensam?
Não são poucas as tentativas de responder a essas perguntas. Nas universidades, multiplicam-se as pesquisas sobre Supremo, controle de constitucionalidade, ativismo judicial e tantos outros temas relacionados ao tribunal. Os jornais reservam cada vez mais espaço nas suas páginas para as decisões do STF. Emissoras de rádio e TV popularizam o debate sobre a Corte. O JOTA é fruto desta tendência irreversível. Nos textos que publicamos e nos artigos que levamos aos nossos leitores, a preocupação é sempre responder àquelas perguntas cada vez mais frequentes.
Exemplo deste esforço cotidiano foi publicado na semana passada. Em dois volumes, JOTA e o Supra, projeto que reúne diversos pesquisadores e liderado pela FGV Direito Rio, analisam os principais julgamentos e comportamentos do Supremo nos anos de 2015 e 2016. Os dois volumes podem ser baixados gratuitamente aqui.
A partir de hoje, o JOTA, nesta parceria com a Folha, contribuirá para que o "halo de mistério" que velava "o Supremo aos olhos da opinião nacional" há 50 anos, como diagnosticou Baleeiro, seja substituído pelo olhar crítico e cada vez mais bem informado dos nossos leitores.