Folha de S. Paulo


Muitos se maravilham com os spas de hotel, mas sempre há tensão

Cabeça baixa, enfiada num aro com pouco espaço até para respirar. "E se eu começar a babar? É pra isso que tem lá embaixo este vaso indiano?"

Braços para trás, paralelos ao corpo, nem pensar em deixá-los de qualquer jeito que for confortável. "Ah, colocam numa posição incômoda para depois parecer que ficou melhor por causa deles." O gogó roçando na beirada da maca a cada engolida, mas agora pega mal ficar interrompendo para mudar de posição. "Ela disse 50 minutos? Ou 15? Queiram os céus que sejam 15!"

Começa assim, tensa, a sessão de massagem relaxante. Que tende a piorar depois da pergunta inicial: "quer qual nível de pressão?"; e da resposta óbvia: "a mais suave possível –não é para relaxar?"; e da tréplica implacável: "muito suave não adianta, é preciso dissolver os nódulos de tensão, vamos começar com pressão média". E lá vem a moça atacando suas costas com pontiagudos cotovelos turbinados pelo peso inclemente do corpo.

O viajante, tanto quanto o repórter, depara-se com frequência com os spas de hotéis e sua oferta de massagens relaxantes. O turista tem a opção de ignorar e relaxar de verdade somente com caipirinha, praia e sono prolongado. Já o repórter se sente na obrigação de conhecer o que o hotel oferece, para poder relatar aos sonhadores leitores.

E parece que muitos se maravilham com as massagens. Eu mesmo às vezes me dou mais ou menos bem, consigo me encaixar na maca, lançar a mente para bem longe e atravessar em paz toda a jornada. Mas sempre há um elemento de tensão: as dores nos lugares nevrálgicos, os pensamentos nos lugares errados ("será que ela percebeu que eu estou a quilômetros daqui, organizando minha planilha de despesas do mês?", "e se ela continuar me tocando desse jeito, nesse lugar, e eu provocar um vexame?", "puxa vida, que vontade de fazer xixi, justo agora?").

Valentina Fraiz

Depois vem o diálogo final. Em linguagem apropriada, que aqui traduzo em termos mais banais: "foi bom pra você?"; eu, mentindo: "foi ótimo, e pra você?"; ela: "senti tensão [com "N"] em toda sua parte superior, pouca flexibilidade, você precisa relaxar mais, beber mais água, e se alongar sempre". Romântico.

Isso é quando, de tudo o que o spa oferece, só dá tempo para experimentar a massagem. Mas às vezes há mais para mostrar, o que a profissão nos obriga a conhecer.

Como ocorreu certa vez no charmoso e caro hotel Hermitage, em Montecarlo, cuja programação incluía algo como um tratamento termal aparentemente sem muito sofrimento –pelo contrário.

O ápice da sessão consistia em ficar imerso numa enorme banheira, com água tépida e perfumada, sob luzes que mudavam gentilmente de tonalidade. No entanto, era preciso estar sem roupa –embora eu ficasse sozinho, havia gente que nos cuidava antes, durante e depois do banho.

Ficar nu para mim não seria um problema –é na verdade minha indumentária preferida, em casa ou em sessões de massagem. Nesse caso, porém, em respeito às lógicas regras de um local público, alguma indumentária era necessária. E vinha a ser um minúsculo maiô descartável de papel, um tapa-sexo indecente que cairia muito bem num musculoso stripper de um clube de mulheres, mas que em mim parecia uniforme de espetáculo sadomasoquista para velhos tarados barrigudos.

Impossível relaxar vestindo aquilo. À minha mente vinham cenas do clipe de "Paranoid Android", do Radiohead (não recomendo para menores). Aquela minúscula peça me ofendia –não exatamente pelas dimensões (não quero insinuar que eu precise de coisa muito maior), mas pela brutalidade estética.

Um banho morno de banheira, ainda mais na Côte d'Azur, é fórmula infalível de relaxamento. Sem roupa seria um sonho. Mas a sunguinha descartável acabou com toda a minha paz.


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