Folha de S. Paulo


Em um mundo virtual, que paisagem ainda surpreende o viajante?

O que ainda pode surpreender um viajante hoje em dia? Na era da hiperinformação, da troca acelerada de relatos ao alcance de um clique, o que terá o turista para ver de novo?

É certo que o calor humano não será sentido antes que se pise no solo dos anfitriões. E os sabores da gastronomia ganharão o colorido somente no seu local de origem, diretamente das mãos que na comida expressam sua identidade.

Mas e as paisagens de tirar o fôlego, como resistirão a um mundo onde, com imagens de 360º em realidade virtual, pouco sobra para a própria realidade dizer?

A vista de Paris a partir da torre Eiffel ou a de Nova York do alto do Empire State; a vista da grande barreira de corais da Austrália ou da vida subaquática de Bonito; a sinuosidade da muralha da China; a gelada imensidão do Everest...

Tudo isso podia ser visto em fotografias e filmes. Ainda assim, davam a sensação de virem de longe, uma isca para nos atrair até lá –coisa que, com a realidade virtual, agora parece dispensável. Virando o rosto em nosso sofá, agora vemos qualquer ângulo possível de qualquer paisagem, faltando somente os cheiros e as brisas (o que logo resolverão).

Ademais, era num tempo em que as pessoas preferiam se encontrar para conversar. Hoje, mesmo diante do outro, muitas vezes elas preferem conversar remotamente. Se até mesmo as pessoas são prescindíveis, o que será das paisagens?

Valentina Fraiz

Fico curioso em pensar como deve evoluir o interesse pela experiência da viagem. Tendo até a caminhar no sentido inverso do que fazia no passado: não ter previamente tanta informação sobre o meu destino, para ser arrebatado pelo imprevisto, ainda que ele esteja ali há séculos à nossa espera. Mas esse despreparo não é condizente com minha profissão –viagens de trabalho exigem, para serem proveitosas, pesquisa anterior: não dá para chegar na total ignorância.

Uma pena. Pois a surpresa, o inesperado, podem ser o segredo da sedução do viajante.

Vasculhei na memória a experiência mais impactante, a paisagem mais inesquecível. Pois a que mais me impregnou foi justamente a mais inusitada de todas. A mais inesperada, em todos os sentidos.

Aconteceu há quase dez anos, quando tentava conhecer melhor uma iguaria ameaçada: o atum bluefin. E visitei seu habitat de passagem, na costa do Brasil.

Com o auxílio de um pescador amador –o restaurateur Pedro Abate, do Mitsuyoshi, de São Paulo –embarquei numa lancha de 41 pés, saindo do Guarujá, no litoral paulista, em direção às águas profundas no final da plataforma continental brasileira, a 180 quilômetros da costa.

Nos dirigimos à petrolífera Merluza 1, da Petrobras, cuja estrutura (coberta de corais) e luzes atraíam peixes em sua tediosa viagem.

Foram seis horas noite adentro, boa parte das quais eu dormi entorpecido pelos remédios para enjoo. Até que, como relatei nesta Folha, "de um sono inquieto acordo com berros. A cena é belíssima. O sol está despertando, o horizonte é estriado de amarelo, laranja, violeta; no horizonte somente o mar e, à frente, a fantasmagórica imagem de uma plataforma de petróleo, esqueleto de concreto, aço e luzes amarelas de um futurismo retrô".

Essa imagem digna de um "Blade Runner", mas que no lugar da bruma permanente do filme era emoldurada por um mar infinito, um céu transparente e silenciosa paz, foi o resumo do que qualquer viajante merece de melhor.

Não a concretização em 3D de imagens recolhidas aos montes; mas a beleza do inesperado.


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