Folha de S. Paulo


Você já foi ao Inhotim? E já comeu tucupi?

No finalzinho do ano passado, estive no prédio da Bienal, em São Paulo, para o lançamento do livro comemorativo dos dez anos do instituto Inhotim (inhotim.org.br), o museu a céu aberto na cidade de Brumadinho (MG), com um impressionante acervo de arte contemporânea de todo o mundo e uma rara coleção botânica internacional.

Você, que já esteve no Louvre um par de vezes, já visitou alguma vez o Inhotim? Se nunca foi, é normal. A esmagadora maioria dos brasileiros, inclusive os que já comeram trufas e caviar, nunca comeu o tucupi da Amazônia, que é uma glória gastronômica nacional. É de se entender que nas férias se programem para ir ao Rio ou à Europa –e Brumadinho definitivamente não é Paris.

O curioso é que se hoje eu, como mais de 2 milhões de pessoas nesses dez anos, me dirijo sempre que posso a Brumadinho (que não está à altura do Inhotim), é porque comecei a apreciar a grande arte a céu aberto em Paris (que certamente está à altura de seus museus).

Lembro-me da primeira vez em que entrei no fantástico museu Rodin. Passear pelos três hectares de jardins entre as obras do mestre é impregnar-se de beleza e sensibilidade. Fora do rigor de um museu tradicional, os jardins de Rodin deixam de ser um local de exibição e viram uma almofada de aconchego, um ninho do qual, em vez de sermos espectadores, fazemos parte.

A experiência no Inhotim tem muito dessa faceta lúdica, de integração entre visitantes e entorno.

Não é um jardim como o de Rodin, mas uma fazenda enorme, com 140 hectares de área de visitação, também reconhecida como jardim botânico. E por isso é, em certa medida, menos aconchegante. Além do mais, a maioria das obras não está simplesmente exposta, mas abrigada em galerias próprias –o que faz delas também obras à parte.

E, para completar, há algumas peças gigantescas e conjuntos grandiosos para imergir por horas, como as que conheci mais recentemente: a nova galeria de fotos da Amazônia e dos índios ianomami, de Claudia Andujar, e o enorme galpão com oito projeções simultâneas, a videoinstalação "I Am Not Me, the Horse Is Not Mine", de William Kentridge.

Mas, mesmo com essa escala grandiosa, é fácil, muito fácil, flanar pela propriedade como se estivesse em casa. Entre uma galeria e outra, há beleza e paz.

Se quiser ainda mais acolhimento, refestele-se no restaurante Tamboril, com sua cozinha mineira com gosto de fazenda. Se quiser uma prosa, tente topar e puxar assunto com o maluco que criou aquilo, o empresário Bernardo Paz; ou o diretor-geral, Antonio Grassi, que conta os planos do instituto com pé no chão.

Não conheço outro lugar no mundo parecido. E de todo o mundo vem gente que tem a mesma impressão. Curiosamente estive há pouco em Buenos Aires, num local que teve semelhante inspiração –embora pareça miniatura de nossa meca mineira.

A ilha El Descanso fica no município de Tigre, 33 quilômetros ao norte da capital, Buenos Aires, em uma das ilhotas no emaranhado de igarapés formado pelo delta do rio Paraná, desaguando no rio da Prata. A propriedade já pertenceu à família do presidente Sarmiento e dela foi comprada em 1993, como área de lazer, pelos atuais proprietários. Pouco a pouco, foi se transformando num parque e num depositário de arte contemporânea argentina, ocupando 16 hectares.

Para quem está acostumado ao agito da capital, vale a pena passear nessa região de respiro entre as águas e a natureza. Mas, pelo menos aos brasileiros que cogitarem conhecê-la, não esqueçam: logo em Minas Gerais há o Inhotim, inigualável.

Se hoje muita gente não conhece o Inhotim ou tucupi, até posso entender; o que não quer dizer que devamos aceitar como destino. Ainda dá tempo de mudar.


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