Folha de S. Paulo


Quem está entrando no elevador comigo é o Mick Jagger?

Elevadores em Paris estão, na maioria dos casos, em edifícios antigos e baixos. Com a modernidade, os caixotes elétricos invadiram os prédios mais altos, mas tendo que adaptar-se ao espaço disponível. Em geral, o vão das escadarias, ocupando exíguos centímetros quadrados.

Mesmo o hotel Georges 5, que fica num prédio mais recente (mas ainda assim quase centenário), o elevador é do tipo apertadinho. O que me obrigou a calcular, numa fração de segundos, qual seria meu próximo movimento quando, aguardando que a porta se abrisse no térreo para embarcarmos, vi que entre as outras três pessoas que também ali esperavam (um magrelo da minha altura, uma magrela altíssima e um terceiro de que não lembro), um deles se chamava Mick Jagger.

Espremer-se com Mick e sua esbelta acompanhante pelos próximos segundos? Tipo fingindo que tudo normal, somos apenas dois adultos? Ou apenas dois anônimos? Ou confessar o óbvio: "Oi, sei quem é você, please allow me to introduce myself".

Valentina Fraiz

Por viajar profissionalmente a destinos exclusivos, hotéis de sonho e restaurantes inacessíveis, termino habituando-me a encontros tão eletrizantes quanto fugazes. Mas não sou um cara de selfies. Tenho vergonha, e pouco interesse, em me agarrar às celebridades e constrangê-las com um abraço e um clique –o mais constrangido seria eu.

Como jornalista gastronômico, tenho encontrado muitos chefs por quem nutro grande admiração. Mas o que me emociona não é estar na presença deles: é conversar, conhecê-los um pouco, falar de seu trabalho –coisas que não se consegue no tempo de uma selfie. Sendo assim, se não é para ter alguma relação, costumo deixá-los em paz.

E quando são pessoas de outras áreas, menor ainda é a compulsão em fingir aquela intimidade que as fotos sorridentes sugerem. É simples: teria vergonha de fazer.

Conheço algumas celebridades que fazem parte do meu círculo de amigos. Com elas, o que há é apenas naturalidade. Mas e quando são pessoas que não conheço? Não nego que, mesmo em mim, bate no mínimo uma curiosidade, mas não a ponto de invadir o seu espaço.

Caminhei certa vez num hotel ao lado de Christopher Lambert, no auge do "Highlander", fingindo ignorá-lo por todos aqueles intermináveis segundos. Tomei café da manhã na mesa ao lado de Roger Waters (Pink Floyd), no St. Regis do México, e confesso que até o fotografei –mas de longe. Como ladeei Rod Stewart em outro desjejum, no hotel de Paris, em Mônaco –mas este nem fotografei.

Não esqueço, bem mais jovem, o calor do meu encontro com Maitê Proença, ambos arquejando entre jorros de suor, deitados em nossos corpos seminus. E sequer um "oi" lhe dirigi naquela sauna do spa 7 Voltas, onde por acaso só estávamos os dois, a metros de distância.

Cruzei com o Nobel de Literatura José Saramago na porta de um restaurante na Espanha. Com ele só falei porque meu companheiro de viagem, o falecido jornalista Saul Galvão, foi ali puxar assunto. Mesmo assim, só não me envergonhei porque pude lembrá-lo de que já nos havíamos falado certa vez em São Paulo, na casa de seu editor brasileiro, Luiz Schwarcz (mas sem selfies).

O curioso é que, em situações de trabalho, sou capaz de vencer a timidez para me aproximar de pessoas que possam ser de interesse para uma matéria. Mas, como admirador de um chef, de um ator, de um músico ou seja quem for, se não sou apresentado a ele nem tiver nada em comum, prefiro me recolher ao anonimato e deixar o cidadão em paz.

Aliás, quando conto a amigos de meu impasse com Jagger diante da porta do elevador francês (caberemos todos nesse espaço tão exíguo?), costumo dizer que subi com ele, espremido contra sua esbelta companheira. Mentira: a versão apimenta bem a história, mas na verdade, quando a porta se abriu, eu, com um gesto cortês, dei passagem ao grupo dele, com a elegância de um lord inglês que dá passagem a um cavaleiro condecorado pela rainha –só que mais velho.


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