Folha de S. Paulo


Por que ninguém viaja ao Brasil para comer?

Valentina Fraiz

A gastronomia virou um importante impulso para o turismo, inclusive em destinos que antes não eram tipicamente associados à comida. França e Itália sempre atraíram gourmets. Mas Espanha, Peru ou México passam recentemente por essa onda, e outros países vêm investindo na área.

Hoje, 10% dos turistas vão à Espanha para comer –são 6 milhões de pessoas por ano, mais do que o total de turistas do Brasil. O Peru cresceu 340% no turismo desde que começou a promover sua comida, quinze anos atrás. O México teve sua gastronomia declarada patrimônio da humanidade (logo, atração turística) pela Unesco.

Já o Brasil não consegue projetar sua gastronomia nem usá-la como chamariz para o turismo. Não que eu sonhe com isso por impulsos nacionalistas –aliás, detesto o nacionalismo, que considero, com a religião, a forma mais eficiente de produzir preconceitos, ódios e guerras fraticidas (em geral, a favor de minorias manipuladoras). Estou fora.

Mas, depois de perder alguns milhares de leitores com o parágrafo anterior, defendo a qualidade em qualquer campo, valorizo a boa comida e acho que o Brasil já teria condições de oferecer ao mundo as delícias de uma cozinha original.

Que condições? O Brasil tem uma gastronomia rica e variada; ingredientes de qualidade e inéditos para o paladar do gourmet curioso; chefs com cultura universal e domínio técnico se debruçando sobre pratos de origem brasileira.

O que falta, então? Uma mirada somente nos países que usei como exemplo mostra que eles, cada um por uma via, criaram uma força de chefs e restaurateurs que promoveram sua cozinha e pressionaram governos a adotar sua causa.

É exatamente o que falta no Brasil. A maioria dos chefs importantes são tão vaidosos e ególatras que se recusam a congregar outros chefs para criar um movimento de promoção da gastronomia.

Nossos governos tampouco entendem o potencial turístico e econômico da gastronomia, mas isso é comum: países que passaram a investir na área só o fizeram depois que chefs tomaram a iniciativa, criaram seu movimento. As vedetes brasileiras só reclamam que não há dinheiro do Estado; pois nunca existirá se o setor não se mobilizar.

A mídia também tem sua responsabilidade: fascinada pelas tatuagens e formosuras de cozinheiros e cozinheiras, está sempre pronta a promovê-los (e há enormes talentos, claro), mas são acríticos diante da danosa marquetagem narcisista de tantos, calando-se diante da persistente omissão dos chefs-estrelas diante das demandas coletivas de toda uma categoria.

Com tantas condições favoráveis, o Brasil já poderia ter explodido no cenário internacional, mas não teve a sorte de ter chefs carismáticos que, no lugar da autopromoção (ainda que utilizando temas brasileiros), tivessem investido em promover a categoria e seu país. Isso teria ajudado a encurralar os governos para mudar o jogo.

Mas, mesmo perdendo essa chance, as condições principais –a rica cozinha regional, os produtos originais e atraentes e os chefs com preparo interessados em modernizar nossa cozinha– continuam dadas.

Resta esperar uma união de chefs e restaurateurs. Não em um pensamento único, uma tatuagem só, perdendo individualidades, mas em uma ação comum que atraia outros setores, como pequenos produtores, para exigir atenção do Estado e promover nossa gastronomia.

O que falta agora é um gesto político. Atenção: não me refiro a um gesto "dos" políticos, mas de política em um sentido mais amplo: forças sociais em movimento. A começar pelas categorias mais interessadas na área. E, claro, também pressão sobre os políticos envolvidos nesta tão bela área do conhecimento.


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