Folha de S. Paulo


Não vou vender o falso glamour das vistas que aprecio em viagens

Luiza Fecarotta/Folhapress
Mirante da pequena St-Barth, que tem cerca de 20 km²
Mirante da pequena St-Barth, que tem cerca de 20 km²

Aquela seção recorrente nos cadernos e revistas de turismo desde muito tempo atrás –a que mostra a foto da vista do quarto de hotel– inspirou-me anos atrás a quebrar um pouco o romantismo com que muitas vezes a cena era mostrada.

Algumas revistas americanas costumavam pedir aos leitores fotos para a seção "A Room with a View". Era como um sonho tornado realidade: um turista de verdade que escolheu meticulosamente onde passar as férias, economizou judiciosamente seu salário (ou a aposentadoria) para pagar um hotel bacana num local de desejo e voilà: de sua janela avista o paraíso com o qual sonhara.

É compreensível que hotéis, estações de esqui e resorts divulguem fotos das vistas que os felizes hóspedes poderão desfrutar. Até entendo que jornalistas especializados reproduzam tais fotos em seus veículos –mesmo que as façam quando viajam para escrever sobre este ou aquele destino. Mas muitas vezes jornalistas de turismo forçavam um pouco o limite entre dar a informação e vender uma ilusão (fingir que estavam usufruindo como magnatas aquelas horas ou dias de contemplação).

Foi a internet que levou esta farsa ao paroxismo. Desde o início dos blogs, as fotos paradisíacas passaram a confundir os leitores. Imagine que um jornalista vá a certo hotel para o que é chamado de "site inspection", uma rápida visita ao local e seus quartos, spas, piscinas, restaurantes. O jornalista fotografa, como esperado, como sempre foi.

O detalhe fica para a forma de publicar. Uma coisa é informar que existe uma piscina ou essa vista do hotel –ficando claro que aquilo foi testemunhado em 15 minutos. Outra coisa é dar a entender que foram dias de vivência, no dourado "fare niente" de quem está apenas passeando.

A mania que se espalhou nos blogs atingiu o clímax nas redes sociais, que consolidaram a informação pessoal como um fútil exercício de vaidade, de mentiras e de tentativas de humilhação dos "amigos" que estão apenas levando sua vida normal. Todo mundo fingindo ser feliz, especialmente mais feliz que o próximo.

Talvez por um vício de velho jornalista, o de tentar passar a informação mais verdadeira possível, quando comecei um blog iniciei o hábito de mostrar as vistas da janela sem afetação e sem iludir ninguém sobre uma vida de ócio e dissipação –às quais até almejo, mas até agora...

Foi assim que, a cada viagem de trabalho em que porventura fosse alocado em algum belo hotel, com uma bela vista, eu fotografava a cena deixando aparecer o meu computador, algumas canetas, anotações.

Pois a triste verdade é que dificilmente, numa viagem de trabalho, sobra muito tempo para usufruir o local. Não apenas pela agenda de atividades previstas, mas também porque, no meu caso, havendo tempo livre, eu geralmente devo ocupá-lo com afazeres que me prendem à vida real: revisar meu guia de restaurantes, preparar uma palestra, escrever uma colaboração para uma revista etc. etc.

Neste momento, por exemplo, estou no lindo hotel Le Guanahani, na ilha de St. Barth, para onde vim cobrir um festival gastronômico anualmente realizado aqui. Por minha janela –na verdade, pela parede envidraçada–, vejo a piscina privativa do meu quarto, acabando na folhagem que mal encobre a ponta do rochedo que limita a baía; e o resto é mar, o mar do Caribe.

Para ver tudo isso, porém, preciso levantar os olhos que estão grudados na tela do computador, onde digito à velocidade da luz esta coluna que devo enviar em minutos para a Folha. Caso contrário, atrapalho a vida de todos os colegas da Redação (sem falar da minha...) e ainda perco o almoço, que faz parte do programa e que não posso (nem quero) recusar.

Não vou postar falso glamour nas telas nem no papel: sou proletário da palavra. À moda dos "Tempos Modernos", vou apertar o "send" correndo e me vestir para o próximo compromisso. O Caribe terá que esperar.


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