Folha de S. Paulo


Raros hotéis conseguem ser parte da vida dos moradores da cidade

Valentina Fraiz
Ilustra Josimar

Estive na semana passada hospedado no hotel Copacabana Palace (a convite deles), no Rio de Janeiro, e mais uma vez recordei um aspecto curioso da vida desse emblemático hotel.

Primeiro, é preciso dizer que adoro hotel. É verdade que para estadias mais longas termino preferindo ficar em casas alugadas, por um detalhe de personalidade –adoro ter uma cozinha por perto. E adoro poder comprar o que existe na região e preparar os ingredientes eu mesmo, sem ficar somente na dependência dos restaurantes.

Mas, em viagens mais curtas, em geral de trabalho e com agendas mais apertadas, não costuma sobrar tempo para cozinhar. E tampouco para enfrentar a louça, dar um jeito na casa...

O hotel é mais prático. Mas não é somente a praticidade que me encanta. Gosto daquela atmosfera cosmopolita que sempre existe, por mais caipira que seja a cidade e mais modesto que seja o albergue. Há uma pegada de despojamento, de não pertencimento a nenhum lugar, a não ser –dentre aquelas línguas misturadas, aquelas vestes bizarras, aquelas tão diferentes cores de pele– a de pertencer à raça humana.

O que não é nenhum consolo, pelo menos do meu cético ponto de vista. Mas, uma vez que estamos aqui, fazer dessa convivência algo frutífero ou pelo menos agradável é o mínimo a que poderíamos nos desafiar para ter uma existência não só digna, mas prazerosa e estimulante. Não seria pouca coisa, numa humanidade dilacerada por ódios religiosos, intolerâncias racistas e chauvinistas e pela cruel divisão entre os poucos e infinitamente ricos e as multidões de miseravelmente pobres.

Pois o saguão do hotel, mesmo quando sentado de olhos fechados e apenas escutando, mesmo sabendo que pode ser apenas uma gota brilhante de um oceano de chumbo, me remete a essa fantasia. Pertencemos ao mundo, e uns aos outros. Queiramos ou não, droga.

Mas não é só isso: existe ainda uma categoria de hotel, raro, que consegue ser essa janela para o mundo, mas ao mesmo tempo ser a casinha de sapê daquele canto do mundo onde está. Em geral o hotel é o lugar onde se hospedam os outros, os de fora; mas há hotéis que são, também, parte da cidade, entram no convívio e na memória de seus moradores. Viram um cômodo, às vezes o mais chique, da casa.

Há muitos anos o Copacabana Palace me mostrou isso. Nas inúmeras vezes em que lá estive hospedado (costumava juntar pontos no cartão American Express só para isso!), por várias vezes convidei meus amigos cariocas para tomar um drinque comigo nas mesas do Pérgula, o restaurante à beira da piscina.

Nunca ninguém recusou. Imagine: se um amigo de fora chega e o chama para encontrá-lo no hotel, você logicamente se esquiva e propõe vê-lo em algum lugar gostoso e emblemático da cidade, não no espaço impessoal e "estrangeiro" do hotel. Pois no Copacabana Palace cariocas se sentem em casa quando convidados por seus amigos "gringos".

Muito mais jovem como hotel, o Fasano parece surtir efeito parecido com os paulistanos (bem, pelo menos comigo) –aliás, também no Rio, tomar um drinque no Baretto-Londra, o bar do Fasano carioca, também está virando um programa apreciado pelos locais.

Um café na Galerie des Gobelins, no Plaza Athénée de Paris, ou um drinque no Ritz da mesma cidade? São também símbolos a que os parisienses parecem se apegar (mesmo que não sejam mais hotéis de proprietários franceses –mas o Copa, hoje Belmond, também não é mais brasileiro). Há outros pelo mundo. São poucos, mas com atributos que fazem de um hotel mais do que um hotel.

Se eu fosse especialista no assunto, diria que, tanto quanto buscar padrões internacionais de excelência, os hotéis de hoje deveriam procurar fincar raízes onde estão. Pois os que as têm se tornam lugares que, mesmo que os locais não frequentem tanto –até porque costumam ser caríssimos–, se tornam parte de sua identidade.


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