Folha de S. Paulo


Não é só dormir

Certa vez estava eu num idílico hotel Relais & Châteaux em Punta del Este, dentro da linda vinícola Narbona, quando resolvi fazer o que faço rotineiramente em viagens (e fora delas): escrever.

A surpresa foi que naquele enorme e lindo quarto, com direito até a adega e máquina de café expresso, não havia... mesa! Poltronas, sim. Mesinhas baixas de centro, também. Mas mesa-mesa, aquela de apoiar os cotovelos, comer, escrever –nenhuma.

A cama era gigante e deliciosa. Mas camas são para dormir (y otras cositas más, é verdade). E hotéis são mais do que isso.

Lembrei-me disso na semana passada, em um quarto muito mais modesto: em Belo Horizonte, num das centenas de hotéis da rede francesa Mercure.

Elenquei que nesse lugar sem luxo, e pequeno, havia o básico para um viajante: limpeza, cama confortável, mesa com cadeira (era até estofada) e pelo menos uma poltrona (ficar lendo na cama não é o melhor para sua coluna) –e essa tinha até um pufe para os pés.

Não que fosse tudo perfeito. Entre outros básicos que poderíamos pensar atualmente, faltariam mais tomadas perto da mesa, por exemplo. E janelas que abrissem –nem que fosse aquela frestinha através da qual ninguém consegue sair para se suicidar, mas pela qual um pouco de ar não condicionado pode entrar.

A maioria dos grandes hotéis fornece esse básico, mas, como mostrei no começo, às vezes não. OK, até entendo que não coloquem mesa de trabalho em um hotel de lazer. Entendo, mas não concordo. Há almas infelizes, como esta que se vos lamenta, que sim, viajam a trabalho inclusive para hotéis de lazer. E outras almas –como esta literária que vos escreve– que, a trabalho ou não, gostam de escrever, até mesmo cartas!, e não se conformam em fazê-lo com as pernas estendidas na cama.

Há também ótimos hotéis que se esforçam por inovar o espaço dos quartos, com a elogiável intenção de oferecer ao hóspede algo fora do lugar-comum.

Uma grande rede com quartos interessantes é a Hyatt. E, neles, os banheiros costumam ser sempre fora do padrão. Mas... são belas salas de banho, com tudo aberto e integrado. Se você está sozinho, se sente um paxá com todo aquele espaço sem fronteiras, enormes banheiras e chuveiros jorrando para suas abluções.

Acontece que nem sempre estamos sozinhos, e aí eu me pergunto: será mesmo que gostamos de ver o colega de trabalho, ou a namorada, ou a filha, usando o vaso sanitário enquanto fazemos a barba? Queremos mesmo compartilhar todas as visões, os ruídos e os odores?

E se não queremos, por que não permitir que cada um use uma diferente função em espaços devidamente... privados? Sim, fechados! Digam aos arquitetos que a vida nem sempre cabe na beleza da prancheta.

Ah, e antes que eu me esqueça: também é básico num hotel decente que ele tenha o velho e indispensável bidê (ou pelo menos um chuveirinho –quem acha mesmo que papel higiênico é realmente higiênico?). E que tenha cabides de verdade, não aqueles incômodos e ultrajantes sem alça, que, segundo os fabricantes, têm "sistema de argola com trava" em que "só a parte inferior é removível, não podendo ser utilizada de forma separada". Em resumo: cabides pega-ladrão.

De onde tiraram isso?! Quem é que paga uma boa grana por uma diária e depois sairia com um cabide enfiado na mala? Só se for o mesmo celerado que roubaria as toalhas, os copos, os quadros da parede –eles até devem existir, mas, ainda assim, nunca vi toalhas nem copos com "sistema que impede sua remoção". Tenham dó.


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