Ninguém conhece os céus do Colorado como eu.
Na primeira vez em que lá estive foi para visitar a cidade montanhosa de Aspen, um dos principais destinos de esqui dos Estados Unidos. Mas era pleno verão, e os turistas se dedicavam a trilhas na floresta e trekking na montanha.
Menos eu. Estava lá para conhecer o festival gastronômico Aspen Food&Wine Classic, com grandes nomes da área em aulas com centenas de ouvintes (naquele ano, Julia Child, Jacques Pepin, Marcella Hazan, Praticia Wells e muitos outros).
As autoridades de Aspen não são bobas. Durante o inverno, o local é tomado por amantes do esqui (inclusive brasileiros, muitos com casas lá ou na vizinha Snowmass), além de celebridades dos EUA.
Mas a cidade não enche os cofres apenas no inverno. No verão, inventa promoções –como semanas de artes, música, gastronomia– para aquecer o turismo. Como no verão o local é igualmente belo (o branco da neve dá lugar ao verde da floresta), e os preços desabam para menos da metade, o sucesso da empreitada é garantido.
Além disso, ao contrários de outras estações de esqui do Colorado, Aspen não é meramente um condomínio ou complexo hoteleiro, como por exemplo Beaver Creek, ali perto. É uma cidade de verdade, dos tempos do faroeste, com minas de prata, ruas antigas e velhas construções hoje ocupadas por bares e restaurantes (uma atmosfera que o charmoso hotel Little Nell recuperava, quando estive lá há 20 anos).
Mas também fui algumas vezes ao Colorado no inverno, para esquiar. Ou melhor: tentar esquiar. E, de todas as vezes, a que melhor lembranças guardei foi da última, quando alugamos um grande apartamento em um condomínio para turistas em Beaver Creek.
Subi a montanha para esquiar somente no primeiro dia. Único em que empenhei minhas calorias em horas paramentando filhos com casacos, engenhocas de aquecer mãos, botas pesadíssimas, esquis gigantes e desajeitados –tudo isso antevendo, desanimado, que depois repetiria todo o processo com alguém mais desajeitado ainda: eu mesmo.
Depois, toca a fazer fila, subir montanha, caminhar tropegamente até a pista, para desabar por alguns poucos minutos antes de praticamente começar tudo de novo.
E tudo isso para quê? Admito que nos poucos momentos em que, principiante e incompetente, consegui deslizar livremente montanha abaixo (trechos, claro) e me sentir solto do chão, sem atritos com a terra –aqueles momentos de condor em voo livre produziram uma lisérgica adrenalina.
Mas foram poucos momentos. Depois do primeiro dia nessa viagem, passei a me despedir toda manhã da família, que saía feliz com suas traquitanas montanha acima.
Eu ia para o Whole Foods e lojinhas de especiarias comprar mantimentos. À tarde, os familiares encontravam a cada dia um menu diferente para restaurar as forças. E eu fumava feliz meu charuto depois da lauta refeição (somente uma vez o detector de fumaça acionou um constrangedor alarme de incêndio).
Cozinhar e comer no frio, experimentando produtos que não conhecia, alimentando a família diariamente, foi mais gratificante do que todo dia subir a montanha. Afinal, lá em cima, incompetente e trôpego, passava mais tempo estatelado no chão mirando as nuvens ("como levantar discretamente sem tanta humilhação?"), do que, ereto, olhando com dignidade o horizonte.
Só me sobrava a convicção de que, ao contrário daquela horda de esquiadores, do meu ângulo estratégico com as costas grudadas na neve, ao menos ninguém conheceu os céus do Colorado como eu.