Folha de S. Paulo


Eventos na cidade

Já vimos que a cidade é fora de casa. As metrópoles, com todos os seus problemas, acuam as pessoas. A casa vira refúgio e porto seguro.

Ter eventos é uma forma de atrair as pessoas para as ruas. Por isso, eles possuem um valor intangível que supera o movimento econômico que produzem. Mas, no Brasil, são tratados com desperdício. Porque não nos damos conta da importância que tem o EVENTO. Nem do conceito nele contido.

Realizamos eventos por hábito, tradição. Como se fossem rotina, obrigação. Vai indo.

Perdemos dinheiro ao não valorizá-los na justa medida. E, muito pior, deixamos de tornar a cidade muito mais agradável. De colocar gente na rua para se divertir.

São Paulo é vista de fora como o lugar onde as coisas acontecem. Quando pesquisada, a população mostra que usufrui bem pouco essa oferta toda. Poucos aproveitam os eventos na intensidade que poderiam.

São Paulo realiza 90 mil eventos por ano. Um a cada seis minutos. Segundo o site Visite São Paulo, aqui temos 300 feiras comerciais por ano e uma feira de negócios a cada três dias.

São R$ 4 bilhões de receita gerados em hospedagem, alimentação, compras, transporte e lazer.

É tudo grandioso.

Tem coisa feita com qualidade, mas prevalece a quantidade. Números incríveis: oito milhões de visitantes, 77.000 expositores. Contudo, em geral, o que comanda a produção do evento é oferecê-lo. E pronto. Quem quiser, que vá lá.

O promotor acha que o seu papel é colocar o evento em pé. Ao propiciá-lo, aproveite quem puder. Não existe o espírito de sedução. De fazer do eventual frequentador um usuário fiel.

Americanos não são bons em tudo. Mas na organização de eventos são craques. Eles procuram criar um espetáculo fascinante. O evento é feito para cativar para sempre. Virar freguês.

Alexandre Rezende-6.abr.11/Folhapress
Fãs acampam em frente ao Estádio do Morumbi
Fãs acampam em frente ao estádio do Morumbi, em São Paulo

No Brasil, onde o vínculo afetivo é muito mais valorizado do que na maioria dos países, se houvesse um cuidado com o cliente do momento da aquisição do ingresso até a volta dele para casa, o resultado seria surpreendente.

Falta carinho. Falta atenção. Falta ver o que dificulta a ida ao evento.

Aqui vira folclore as pessoas ficarem por dias na fila, em barracas. Os problemas são tratados como algo natural e impossível de ser sanado. Como há muito público comprador, a ideia é que não precisamos dar atenção às pessoas.

Esse é um erro crasso. Deixamos de criar mais empregos, gerar mais renda. E, muito mais importante: deixamos de fazer com que nossos concidadãos e turistas tenham uma vida melhor.
Uma patologia nossa é sempre querer ser "o maior do mundo". Ligarmo-nos ao tamanho, à quantidade.

Números fantásticos sobre eventos na cidade (4 milhões na Virada Cultural, 3,3 milhões na Parada Gay, dois milhões no Réveillon na Paulista, 750 mil na Bienal do Livro, 750 mil no Salão do Automóvel) nos bastam. Enchem-nos de orgulho.

É um equívoco.

Não nos preocupamos com aqueles que não aproveitam, não frequentam, não se divertem. Passamos por cima da qualidade.

Não se cogita medir o grau de satisfação das pessoas. Baixamos a cabeça e tocamos em frente.

A cidade abre mão de ser melhor.


Endereço da página: