Folha de S. Paulo


A mudança que a cidade precisa

As cidades crescem porque consolidam e diversificam a atividade econômica.

As pessoas, em primeiro lugar, buscam o emprego para sobreviverem. À medida que as cidades facilitam esse processo, elas crescem em aglomeração.

Nada acontece sem ter outro lado. A consequência é a deterioração das relações humanas. Porque, na cidade pequena, você produz para quem conhece. Na grande, para o desconhecido, chamado mercado. Georg Simmel explica isso muito bem no texto "As grandes cidades e a vida do espírito".

Na cidade pequena ou no bairro, as relações são pautadas pelo sentimento, pela alma. Na grande, vale a objetividade. E como o que está em jogo é ganhar dinheiro para a sobrevivência, e o cliente é anônimo, fala mais alto a lógica do dinheiro.

E, como diz Simmel, "o dinheiro quer saber apenas sobre o que é comum a todos, o valor da troca, --quanto". Aí entram na jogada, solenes, o formalismo e a dureza impessoal. Quanto vale o que ofereço? Quanto vale o que quero?

A relação do "quanto" é numérica, não quer saber dos sentimentos. Dessa forma, o sentimento fica sem espaço. E a música soa cáustica: "Não existe amor em SP".

Como mudar essa lógica? Aproximando as pessoas. Elas se sentem bem quando conhecem os comerciantes do bairro, quando identificam e são identificadas. Quando criam vínculos com outras pessoas.

É preciso um espaço vital onde o cidadão possa realizar a maior parte de suas necessidades como se estivesse numa cidade pequena.

É o desafio de juntar a parte boa da cidade grande com a da cidade pequena. Não será perfeito. Não existe solução absoluta que elimine todos os males e reúna só benefícios. Sempre haverá alguma dificuldade agregada.

E para mudar, tem que tentar. E não embarcar na crença de uma solução mágica que venha do poder público e elimine todos os males.

Duas experiências valem um estudo mais aprofundado: Vauban, na Alemanha; Chengdu , na China. Uma pequena, outra grande. Nenhuma é para ser copiada integralmente porque há questões culturais e peculiaridades. Contudo, os conceitos admitem reprodução. E muita coisa prática também.

Divulgação/gochengdu.cn
Cidade de Chengdu, na China
Cidade de Chengdu, na China
Divulgação/badische-seiten.de
Vauban, na Alemanha
Vauban, na Alemanha

Vauban é uma espécie de distrito com autonomia de Freiburg. Em Chengdu, capital da província de Sichuan, constrói-se um distrito especial .

Vauban tem cerca de 6.000 habitantes. Chengdu, cerca de 4.600.000. No distrito especial de Chengdu, viverão 80 mil pessoas. Em ambas, o conceito fundamental é não haver carros. Deslocar-se a pé, de bicicleta ou com algum tipo de transporte público especial.

No distrito chinês, os arquitetos urbanistas propõem que todo deslocamento possa ser feito a pé. No máximo, em 15 minutos.

É possível isso aqui? É difícil, mas possível. E não vai sair da cartola, de repente. Nem brilhante.

Da situação atual a um modelo desses, é preciso paciência, tenacidade e coragem. É preciso acreditar no conceito de que a pessoa viverá melhor se exercitar suas individualidades em ambiente coletivo. Deixar de ser número, peça.

O direito à cidade agradável não será atingido através do modelo atual. Que é comandado pela organização do dinheiro. Do mercado. Mas ele tem vantagens.

Para compartilhamos os ganhos do mercado na sustentação das pessoas e uma vida mais humana, baseada no sentimento, são necessários espaços públicos diferenciados. Bairros, pequenos distritos. Como Vauban e Chengdu.

Wikimedia Commons
Vale do Anhagabaú, no centro de SP
Vale do Anhagabaú, no centro de SP

Hoje, isso está sendo feito em São Paulo através de condomínios mais horizontais; porém fechados, como o Jardim das Perdizes, junto à ponte da Pompeia.

É um modelo equivocado de reclusão e segregação.

O centro de São Paulo, pela oferta de transporte abundante que tem e pelas distâncias, poderia viver uma experiência de eliminação do carro quase total. Com deslocamentos exclusivos por transporte público circular, bicicletas e a pé.

Para mudar, é preciso tentar. Não vai dar tudo certo de cara. Mas vai avançar.

Tentar e avançar são o espírito da coisa.


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