Folha de S. Paulo


País de estupradores

SÃO PAULO - O delegado no Rio afirma que é preciso verificar se "houve consentimento dela". Entre os tantos que aparecem no vídeo, prefere duvidar da única mulher na cena, 16 anos e desacordada.

O juiz no Piauí solta os adolescentes que confessaram participação em uma curra. Têm bons antecedentes. A perícia aponta conjunção carnal, mas não comprova "se houve violência sexual". Parece detalhe que a vítima de 17 anos foi encontrada em coma alcoólico, amarrada, amordaçada com a própria calcinha e um pedaço de isopor na boca.

Os episódios ensejam reação do Congresso, que vota projeto de agravamento de pena —proposto no ano passado após uma primeira temporada de estupros coletivos. Devem votar pena de morte, como quer o governador em exercício do Rio, na próxima?

Constatações óbvias a partir dos episódios bárbaros da última semana e a reação de governos e sociedade: nossas autoridades são toscas; é difícil ser mulher neste país; somos complacentes.

O roteiro carioca merece um livro, filme, o que for. Crime em periferia controlada pelo tráfico é banalizado nas redes sociais. Pinçado por ativistas, vai parar na polícia, que simplesmente se perde em frases, versões e entrevistas coletivas. No espaço de poucos dias, sem uma grande evolução dos fatos, o secretário de Segurança Pública fala que falta "detalhe jurídico" para a prisão, o delegado diz que o laudo vai mudar a impressão inicial, e a delegada que o substitui simplesmente manda prender.

No Piauí... o Piauí é muito longe, mas estupro é o que não falta. Acontece na USP, na escola, na balada, nas letras misóginas e machistas do funk e do sertanejo, no discurso do deputado reacionário. Toleramos. Fingimos que não vemos. Acontece todos os dias, ao nosso redor, sem que façamos nada. Isso não é exclusividade do morro nem do sertão.

A culpa, claro, também não é nossa.


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