Folha de S. Paulo


Mesmo com imagens eróticas mais cruas na internet, Facebook veta seios

AFP
Visitantes observam o quadro "A Origem do Mundo", o mais célebre de Gustave Courbet (1819-1877)

Na semana passada, fui suspenso por três dias do Facebook porque postei um nu de Gustave Courbet. Uma jovem, do umbigo para cima, braços levantados, apoia-se num galho florido. Minha punição se abateu por obra de algum robô puritano.

A pose valoriza os seios. Depois dos três dias de castigo, pus, por troça, tarjas sobre os mamilos e postei de novo. O robô não se escandalizou e deixou passar.

Decerto, ele não leu o livro clássico sobre o tema, "O Nu", de Sir Kenneth Clark. Nele há uma clara distinção: existe "naked" (traduzido como nudez) e "nude" (nu). O nu é artístico, a nudez é banal e, no pior dos casos, pornográfica. O livro lembra que no mais idealizado dos nus permanece sempre algo de erótico. Mas nega que isso funcione no sentido inverso: uma imagem apenas pornográfica não conteria o menor resíduo artístico.

O nu é um gênero constante e antigo nas artes plásticas. A criação clássica, mediterrânea, fundou-se na beleza do corpo humano. No entanto, se a confortável e nítida distinção entre "arte" e "obscenidade" acomoda a moral, ela não satisfaz a verdade das coisas.

Clark retoma a velha afirmação a respeito da dificuldade própria ao nu fotográfico: por causa de seu "realismo", ele resistiria à idealização. Isto revela apenas uma concepção estreita que confina a arte ao idealizado.

O Facebook mistura arte e pornografia, e nisso está mais certo do que parece. Ao assinalar o conservadorismo de nosso tempo, mostra que sua irrealidade é esquizofrênica. Enquanto as imagens eróticas mais cruas estão disponíveis na internet, enquanto a pornografia continua sendo, e de longe, o tema mais buscado, seios não podem aparecer no Facebook. Artísticos ou não.

Hoje, as artes exploram não apenas o nu, mas suas inflexões sexuais, abandonando o álibi da idealização. Por coincidência, visitei duas mostras em que o nu é o eixo. Estão em São Paulo, uma na Galeria Fortes D'Aloia & Gabriel, outra na Galeria Tato. Ambas expõem nus masculinos.

Nos museus, o número de mulheres sem roupa é bem maior do que o de homens despidos, fato que os movimentos feministas vêm denunciando. Mas a virilidade exposta predominou ao menos em dois momentos cruciais: na Grécia antiga e no Renascimento florentino.

A sensibilidade sobre o nu masculino mudou. Abandonou a beleza espiritual para se sexualizar. O Apolo do Belvedere ou o Davi de Michelangelo foram vinculados à cultura gay. Ou seja, inseriram-se num nicho de específico erotismo perturbado por preconceitos. As obras tornam-se, nessa perspectiva, bem mais pobres.

As duas exposições em São Paulo vinculam-se à cultura gay, ou queer, se se quiser. São, no entanto, muito mais complexas do que isso. A Fortes propõe um paralelo entre Robert Mapplethorpe e Alair Gomes, até 7/10.

Para o primeiro, os processos construtivos, seja na preparação em estúdio, seja na escolha cuidada dos enquadramentos, significam o domínio do fotógrafo sobre a imagem, e sua capacidade de impô-la, por desafio ou por cumplicidade. Há uma redução à vontade artística e à soberania do autor que está visível, por assim dizer, em cada obra.

Alair Gomes situa-se, ao contrário, do lado de fora. Transforma o ato voyeur em arte elevada. Não "possui" as imagens, no sentido de que um espírito pode possuir um corpo, como em Mapplethorpe. Ele as contempla com uma comoção um pouco adoradora.

Aqueles jovens das praias são deuses, investidos pela poesia, pela beleza e pela juventude. Estão no intangível mundo que lhes pertence e merecem devoção. Classicismo do desejo transfigurando-se em pura beleza.

A galeria Tato expõe até 30/9 obras de Francisco Hurtz. O núcleo essencial de sua criação são desenhos firmes, despojados e nítidos, traçados pelo contorno. Os corpos tornam-se delicadas épuras, pequenas, situando-se entre o signo e a representação. Possuem algo do ideograma.

Perfeitos como modelos para tatuagens, espalharam-se pelo Brasil e fora dele como marca orgulhosa de identidade sexual. É uma arte militante, provocadora, muito original e sugestiva. Num paradoxo, sugere alguma coisa de inocente.

Não é plausível, hoje, reencontrar o olhar dos gregos e dos florentinos diante do nu viril e fazer predominar energia, força e beleza sobre as implicações eróticas. Nosso olhar sexualizou-se sem remédio. Graças a isso, a questão tornou-se outra.

Mistura arte e ética: trata-se de proteger e estimular toda percepção que ultrapasse as reações de superfície, vencendo o obscurantismo boçal de suas eternas inimigas: as hostilidades morais e pudicas.


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