Folha de S. Paulo


Trump corrige omissão de Obama na guerra da Síria

Em um discurso em 20 de agosto de 2012, o então presidente americano Barack Obama estabeleceu uma "linha vermelha" para a guerra civil na Síria: se o ditador Bashar al-Assad usasse armas químicas, os EUA interviriam militarmente.

Um ano e um dia depois, em 21 agosto de 2013, Assad cruzou a linha, lançando bombas de gás sarin que mataram 1.400 pessoas, inclusive crianças, na cidade de Ghouta. Obama, por sua vez, recuou da ameaça, preferindo negociar com a Rússia uma saída diplomática.

Quase quatro anos depois, muita coisa mudou. A guerra civil, inicialmente equilibrada, está solidamente nas mãos de Assad, ajudado por seus aliados Rússia e Irã. Dos territórios rebeldes, só sobraram pequenos enclaves e grupos armados fracos, alguns ligados à Al-Qaeda ou ao Estado Islâmico.

Em dezembro do ano passado, foi realizado um encontro em Moscou para planejar um cessar-fogo, com representantes de Rússia, Irã e Turquia. Que os EUA não tenham sido sequer convidados dá uma ideia de sua relevância atual no conflito.

A omissão de Obama engendrou a perda da importância americana na região. Seguro de que as ameaças não seriam levadas a sério, Assad se sentiu no direito de fazer o diabo; e assim fez. Com o ataque americano da semana passada, resposta a um novo uso de armas químicas, Trump corrige a omissão de Obama e recoloca os EUA no jogo.

Longe de constituir uma declaração de guerra para derrubar o ditador a qualquer preço, o bombardeio foi um aviso bastante eficaz de que os EUA voltaram à ativa, de que a carta bélica não está fora da mesa quando o assunto é garantir ordem e lei internacionais.

Desta vez, a ameaça é crível e vale para todos. Irã, Rússia, China e Coreia do Norte receberam o recado e pensarão duas vezes antes de colocar as mangas de fora.

Não se trata de maluquice de Trump. Na verdade, é uma reversão de seu posicionamento prévio. Já em 2013, após o bombardeio em Ghouta, Trump pedia (via Twitter) para Obama ficar fora da Síria e focar nos EUA.

O mote de sua campanha presidencial foi o isolacionismo; isto é, a crença de que o interesse dos EUA está em dar as costas ao resto do mundo, algo que valia quando o país era jovem e não mais quando toda a ordem mundial desde a Segunda Guerra foi construída e mantida pelo poder americano.

Acossado por fracassos domésticos, Trump deu ouvidos a vozes mais sábias de seu gabinete, que entendem a importância da ordem mundial americana. Essa ordem serve aos interesses dos EUA e de todos os países que defendem direitos individuais, democracia e capitalismo. Protegê-la beneficia a todos nós.

O uso do poder militar americano é carregado de contradições. Para manter uma ordem liberal e democrática, faz uso da violência, sua antítese. Contudo, é bom frisar: a alternativa ao poder americano não é a paz e a concórdia entre as nações e sim o crescimento de poderes verdadeiramente antidemocráticos e antiliberais.

Por isso, por mais que você se revolte com as ações dos EUA e seu presidente, pense consigo mesmo: o mundo estaria melhor se Rússia, Irã ou China tivessem mais poder? Não? Então garantir a autoridade americana sobre o Oriente Médio é um passo necessário. Os mísseis de Trump, se não forem mera bravata, contribuem para um mundo melhor.


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