Folha de S. Paulo


Elite intelectual que perdeu no Rio se considera moralmente superior

Ricardo Borges/Folhapress
Marcelo Crivella comemora vitoria na eleição à Prefeitura do Rio de Janeiro
Marcelo Crivella comemora vitoria na eleição à Prefeitura do Rio de Janeiro

Confirmando o que se viu no primeiro turno, a esquerda brasileira –nova ou velha– seguiu em derrocada no segundo.

O PSOL, que queria devorar o cadáver do PT e tinha esperança em três grandes cidades (Belém, Rio de Janeiro e Sorocaba) perdeu as três. Em Curitiba, deu Greca. Em Porto Alegre, Marchezan. Para fechar com chave de ouro, teve ainda a simbólica derrota do PT para o PSDB em Santo André, na Grande São Paulo.

A derrota de Freixo para Crivella no Rio será especialmente sentida. O Brasil perde a chance de ter uma cobaia das ideias do PSOL na economia e na gestão, e a esquerda de maneira geral volta para onde ela fica mais confortável: na oposição, criticando tudo que existe em favor de utopias imaginárias.

Não lhe fará bem. Aliás, já não está fazendo. No lugar de uma reação saudável, de tentar descobrir como poderia ter se conectado com o eleitorado que agora não acredita em suas promessas, a campanha e a militância voluntária que defendeu Freixo com unhas e dentes, assim como seus pares que defenderam Haddad em São Paulo, preferem apontar o dedo e condenar quem votou contra seu lindo projeto social.

Falam dos vilões de sempre: a elite branca (que na verdade designa melhor o eleitorado do Freixo que o do Crivella) que não quer negros no aeroporto, os fundamentalistas que querem transformar o Brasil em uma teocracia, os machistas, os homofóbicos etc.

E o dedo acusatório não se volta apenas contra quem votou em Crivella. Os votos brancos, nulos e abstenções (vencedores novamente) também entram na roda. Não ter se empolgado com o bolivarianismo tupiniquim do Freixo é uma covardia imperdoável.

Nada disso é novidade. É herança da velha esquerda, que aceitava a democracia como uma concessão momentânea à política burguesa, desde que levasse à revolução. A diferença é que, sem a possibilidade da insurreição (ainda mais depois de dois anos invocando o amor à ordem legal que seria violada com o impeachment), resta apenas acusar e reiterar a própria virtude.

E fica a pergunta: se votar é tomar parte na luta eterna do bem contra as forças obscurantistas do mal, qual o grande mérito da democracia?

Quem perdeu no Rio foi uma elite intelectual, artística e universitária que se considera, com a mais pura sinceridade, mais esclarecida e moralmente superior ao resto do país; pessoas que ela secretamente odeia e das quais, ao mesmo tempo, espera total adesão. Uma classe que tem ojeriza visceral à classe média, que considera religião falha de caráter e que demoniza a ambição de subir na vida.

Por isso, chegou-se ao óbvio: fora a questão de se suas propostas funcionam ou não, se são boas ou más para a sociedade –na minha opinião, seriam catastróficas, mas essa é outra discussão–, a crença incondicional na pureza de seus ideais foi usada pela classe política que dela se beneficiava para promover os maiores esquemas de corrupção da história do nosso país.

A fé humilde dos crentes possibilitou a esbórnia dos bispos. Curiosamente, não estou falando da Igreja Universal.


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