Folha de S. Paulo


Graças a Deus por não ser carioca!

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Marcelo Crivella e senador pelo PRB/RJ.2015 FOTO: DIVULGACAO ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***//RIO DE JANEIRO, RJ, 15-09-2016 - O candidato a prefeitura do Rio de Janeiro Marcelo Freixo durante um comicio no Largo da Carioca Foto: Mídia NINJA/dIVULGACAO ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Marcelo Crivella (PRB) e Marcelo Freixo (PSOL), candidatos à Prefeitura do Rio

O segundo turno das eleições do Rio nos coloca diante de dois lados opostos da política nacional. E não está fácil escolher entre um deles.

Marcelo Crivella (PRB) representa a velha política brasileira quase em estado puro. Seu programa de governo é um apanhado absolutamente convencional, banal, das mesmas promessas de sempre. Mais médicos, mais policiamento, obras públicas, governar para o bem da cidade. Dá a impressão, ou melhor, a certeza, é de que nada ali importa muito. Utiliza o vocabulário da meritocracia, da eficiência e da gestão porque são essas as palavras do momento. Em outros tempos, teria outro discurso. Lembrando que até anteontem era aliado do governo Dilma (e hoje de Garotinho).

Um fato notável de Crivella é ser bispo da Igreja Universal do Reino de Deus. Deve, portanto, fazer todo o possível para favorecer as políticas caras ao movimento: o combate a uniões homoafetivas, ao ensino de sexualidade e gênero nas escolas e à legalização da maconha.

Marcelo Freixo (PSOL), ao contrário, representa a pureza da extrema esquerda brasileira, a camada até agora não tocada pela corrupção ou pelo oportunismo fisiológico que seu partido, com razão, aponta como um grande fator de atraso no Brasil. A derrocada do PT neste ano é para o PSOL a tão sonhada oportunidade de sepultar seu irmão mais velho e tomar seu lugar. Com uma pauta de valores sociais e culturais abertos, modernos, encanta a elite cultural e intelectual do país.

No entanto analisar o programa de governo de Freixo –um quadro moderado para padrões do PSOL– é mergulhar de cabeça na velha heterodoxia econômica e nos sonhos do socialismo democrático, quem tem como grande aspiração para o Brasil o chavismo venezuelano. Criação de comitês para aparelhar todos os aspectos da vida na cidade, tarifa zero no transporte, a criação do BNDES municipal (tem dado tão certo na esfera federal...), a contratação de milhares de novos funcionários públicos. Em um aceno direto ao passado, quer proibir que motorista de ônibus substitua o cobrador. Podia também exigir ascensorista nos elevadores.

De onde virá o dinheiro? De mais impostos e tarifas. Para Freixo, se o Estado hoje é ineficiente em servir à população, a solução está em permitir que ele capture uma proporção ainda maior da renda e da mão de obra. E é evidente que, para bancar o aumento de gastos substancial proposto, impostos apenas para os "muito ricos" não darão conta do recado; ele terá que entrar forte na classe média.

Ao contrário de Crivella, Freixo sem dúvida acredita no que propõe; mas o que ele propõe é tenebroso para sua cidade e para o país. Talvez sua vitória, por representar um experimento radical e sincero de mudança, sirva como estudo de caso futuro para outras cidades. Para um paulistano, é fácil ceder o Rio a um experimento radical. Cariocas talvez discordem.

Já a vitória de Crivella tenderia a manter tudo como está: piorando. O legado dos partidos fisiológicos brasileiros não é o desastre retumbante, mas o atraso que se constrói lentamente, ao longo de muitos anos de corrupção, ineficiência e corporativismos.

No final das contas, só chego a uma conclusão: sou feliz por não ser carioca. A vitória previsível de "brancos, nulos e abstenções" será um inútil, porém eloquente, voto de bom senso.


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