Folha de S. Paulo


Votar não faz sentido

Há algo de inspirador no domingo de eleição. Depois do desgaste das campanhas, das discussões intermináveis, da cacofonia da propaganda, um dia calmo, quase silencioso, em que as famílias saem juntas, encontram amigos, realizam o ritual máximo da democracia e depois saem para almoçar. Sai-se –ou pelo menos eu saio– da urna com a sensação de que se tomou parte na decisão dos rumos da sociedade.

Objetivamente falando, no entanto, é difícil sustentar a racionalidade do voto. Para um eleitor no dia da eleição, só vale a pena o esforço de ir votar se seu voto alterar o resultado final. Se for ficar tudo na mesma, votar é irrelevante. O voto não decisivo é estritamente inútil.

A chance, para cada eleitor, de que seu voto defina o resultado final –que seja o fiel da balança– é comparável à de ganhar na loteria. Votar é, assim, um investimento que não vale a pena; especialmente se levarmos em conta que ele não se dá apenas no dia da eleição, mas em todas as vezes que dedicamos tempo e energia para conhecer os candidatos, compará-los, discutir suas propostas etc. E é justamente isso que, supostamente, todo eleitor deveria fazer.

As demandas do voto consciente, aquele que vai além da mera primeira impressão e do espírito de grupo, são uma utopia. A começar pelo simples motivo de que os critérios possíveis para julgar um prefeito –situação das contas, trânsito, saúde, escolas, etc.– são tantos e tão difíceis de se avaliar (quais das mudanças se deveram à prefeitura e quais a outros fatores?) que ninguém tem acesso a toda essa informação em tempo hábil. E mesmo com ela em mãos, resta o imponderável: como pesar os dados de diferentes áreas? Melhorou o trânsito e aumentou o rombo fiscal; o saldo disso é positivo ou negativo? Como comparar, ainda, o que está aí com planos que nunca saíram do papel? São os sentimentos, e não a razão, que vão responder para cada um de nós.

Não tem jeito. Nas urnas quem manda é a irracionalidade. O melhor que a razão pode fazer é, talvez, eliminar candidatos francamente inaptos e corruptos. De resto, somos guiados por sentimentos, propaganda, carisma, genética. Acima de tudo, pela necessidade de pertencer a grupos e expressar nossa identidade grupal contra as tribos inimigas que nos circundam. Jamais deixamos a selva, embora seja preciso admitir que substituir flechas e lanças por votos na urna seja um grande avanço.


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