Folha de S. Paulo


Filme 'Mãe!' impressiona pela falta de originalidade de Darren Aronofsky

Angelo Abu/Editoria de Arte/Folhapress

Assisti a "Mãe!", o mais recente filme de Darren Aronofsky, por causa do ruído em volta. Os jornais discutem se Aronofsky é um gênio ou um idiota, provavelmente ignorando que é possível ser um gênio e um idiota ao mesmo tempo (como dizia Gore Vidal sobre Truman Capote).

E, na sala, as reações do público prolongavam o debate crítico: havia quem abandonasse o espaço, murmurando infelicidades; e havia quem aplaudisse, com a paixão sincera dos convertidos. Há muito tempo que o cinema não mexia assim com o rebanho. Isso é bom?

Um pouco de calma. Primeiro, as apresentações. "Mãe!" narra a história de um casal —o poeta interpretado por Javier Bardem e a fada-do-lar-com-talento-para-as-artes que tem Jennifer Lawrence aos comandos. Primeiro momento levemente irreal: acreditar que Javier Bardem poderia ser poeta é um abuso da nossa tolerância.

Seja como for, os dois vivem no meio do nada, ele com "bloqueio criativo" (o supremo cliché) e ela reconstruindo a casa (depois de um incêndio misterioso), pintando as paredes, consertando a canalização.

Essa espécie de paz, ou de tédio, é perturbada com a chegada de dois estranhos —um médico ortopedista (Ed Harris) e sua mulher (Michelle Pfeiffer). Foi a única vez em que senti medo: como é possível que Michelle Pfeiffer, o mais perfeito rosto do cinema americano, tenha abusado do botox daquela maneira?

Depois deles, chegam os filhos; depois dos filhos, chega mais gente. A casa é pequena para acolher os estranhos. Jennifer Lawrence, incrédula, abandona os trabalhos manuais e grita de horror perante a invasão. Tudo termina em destruição maciça, insana, canibal —e o mais inocente dos seres pergunta: que significa tudo isso?

Darren Aronofsky, em mil entrevistas, prestou-se a alguns esclarecimentos. Diz ele que "Mãe!" é uma alegoria sobre o aquecimento global, com Lawrence no papel de planeta Terra e os estranhos que invadem a casa e destroem o lar a fazerem as honras da espécie humana.

Ponto prévio: fazer uma alegoria estética sobre o aquecimento global já é um péssimo começo. Explicar a alegoria só está ao alcance de Darren Aronofsky.

Além disso, e como qualquer artista pretensioso, o diretor convoca a Bíblia para a sua pizza cinéfila. Não é preciso ser um beato para ver em Ed Harris-Michelle Pfeiffer o par original do jardim do Éden; e, nos seus filhos, que se odeiam de morte, uma reatualização de Caim e Abel. Moral da história?

Darren Aronofsky não fez um filme. Ele construiu, meticulosamente, um "produto" simultaneamente pedante e chocante para criar "debate". Missão cumprida. Nos textos críticos, disserta-se abundantemente sobre o "significado" de "Mãe!". Raros são aqueles que enfrentam o filme como objeto artístico autônomo.

Se os críticos não tivessem feito o jogo do diretor, concedendo a "Mãe!" uma seriedade que ele não merece, o paradoxo seria evidente: apesar de todas as aparências, o que impressiona em "Mãe!" é a falta de originalidade de Aronofsky.

Sim, qualquer cego é capaz de ver os roubos a Roman Polanski (sobretudo a "Repulsa ao Sexo" e "Bebê de Rosemary"), a Stanley Kubrick (a claustrofobia de "O Iluminado"), a Lars Von Trier (Jennifer Lawrence é um decalque da personagem de Nicole Kidman em "Dogville"), sem falar das ressonâncias buñuelianas que perpassam por todo filme.

Mas quando assistia a "Mãe!", foi inevitável não pensar em "The Country", a peça de Martin Crimp sobre as ilusões da vida "simples" e "rural": nessa peça, Richard e Corinne retiram-se para uma casa de campo em busca de um recomeço para a vida; mas a ilusão de segurança é violentamente perturbada pelo elemento externo que chega sem aviso —e com a cumplicidade de Richard. Se Aronofsky não conhece a peça, eu rio alto.

Com todos esses roubos, Aronofsky misturou os elementos e serviu um jantar visualmente histérico e indigesto. Não passaria pela cabeça de um escritor publicar um romance onde os estilos de Proust, Hemingway ou Saramago se alternassem de capítulo em capítulo. Mas passou pela cabeça de Aronofsky fazer um filme que segue o mesmo princípio. É o "kitsch" na sua máxima expressão.

Regresso à pergunta inicial: é bom ter um filme que mexe com o rebanho?

Depende. A mulher barbada, na sua barraquinha de feira, também fascina o público pasmado.


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