Folha de S. Paulo


Há 50 anos, Guerra dos Seis Dias foi vitória épica que criou problema épico

Angelo Abu

Fronteiras, Jerusalém, refugiados: quando o assunto é o conflito israelense-palestino, é preciso relembrar sempre essas palavras.

Onde serão as fronteiras do futuro Estado palestino? O que fazer à cidade de Jerusalém, que ambos os povos reivindicam como capital? E que destino para os 5 milhões de refugiados palestinos que continuam sem terra ou nacionalidade?

Todos esses temas, em maior ou menor grau, ficaram gravados na carne da história há precisamente 50 anos. Guerra dos Seis Dias, eis o título.

Enganador título. A guerra pode ter durado seis dias, mas a preparação israelense para a sua possibilidade foi longa –mais de uma década para conhecer o inimigo e, sobretudo, como neutralizá-lo.

Os pormenores são conhecidos: estariam as tropas israelenses prontas para invadir a Síria, como se temia em Damasco? Os serviços secretos russos ajudaram à criação desta fantasia.

Mas uma fantasia era uma fantasia: os observadores da ONU na região e os próprios serviços secretos sírios confirmaram a falsidade da propaganda. Mas então era tarde, Inês era Marta.

Existe um bom documentário, intitulado "Six Days in June", que ilustra o clima de euforia bélica que se vivia por aquelas bandas. Sobretudo no Egito, onde um nacionalista vulgar, Gamal Abdel Nasser, prometia liderar o mundo árabe na grande vingança de 1948 (fundação de Israel) e de 1956 (a crise do Suez).

No documentário, escutamos gravações da época –os apelos de Nasser para o extermínio de Israel– e vemos as populações árabes enlouquecidas com a promessa. Como travar uma máquina já em marcha?

Mas também vemos as indecisões de Levi Eshkol (premiê israelense à época, que segurou os cavalos até o último minuto); o colapso nervoso do chefe do Estado-Maior do Exército Yitzhak Rabin (um segredo que a viúva revela em entrevista inédita) –e a entrada em cena do carismático Moshe Dayan, que foi decisivo para a vitória.

Em 5 de junho de 1967, a aviação israelense voa abaixo dos radares egípcios e destrói a aviação de Nasser ainda em terra.

Segue-se o poder aéreo jordano e sírio –tudo arrasado no primeiro dia. E, ainda no primeiro dia, Israel toma Gaza e o Sinai.

No dia seguinte, seguem-se a Cisjordânia e a totalidade de Jerusalém. Com o Egito e a Jordânia fora de jogo, Moshe Dayan ocupa-se da Síria. Em seis dias, Israel triplicava de tamanho, enfiando na sacola o Sinai, os montes Golã, Gaza, a Cisjordânia e a totalidade de Jerusalém.

Mas os ganhos territoriais são parte da história. O país que anteriormente governava 400 mil palestinos passava a ter 1 milhão a mais (600 mil na Cisjordânia, 350 mil em Gaza, 50 mil em Jerusalém Oriental).

Além disso, a guerra de 1967 provocava nova crise de refugiados palestinos: entre 250 mil e 300 mil, que se instalaram maioritariamente na Jordânia e que se juntavam assim aos 800 mil das guerras de 1948-1949.

Por outras palavras: a Guerra dos Seis Dias definiu o conflito israelense-palestino até hoje.

Quando se discutem as fronteiras de um futuro Estado palestino, o paradigma de referência são os territórios de Gaza e da Cisjordânia que Israel conquistou.

Quando se discute o estatuto de Jerusalém, a lembrança é a tomada da cidade aos jordanos em 1967.

Quando se discute o destino dos refugiados palestinos –e dos seus filhos, e dos filhos dos filhos– as migrações daquele mês de junho são um capítulo adicional.

E hoje?

Para a "comunidade internacional", a solução dos dois Estados continua em cima da mesa. Para vários céticos, essa solução já não é realista. Melhor optar por um estado binacional –ou, então, por três Estados: um em Gaza (controlado pelo Hamas), um em Israel e outro na Cisjordânia, talvez em associação –federal, confederal– com a Jordânia.

Não acredito em nenhum deles. Três Estados são impensáveis para as lideranças palestinas. Um Estado binacional é impensável para Israel, que muito compreensivelmente não deseja o suicídio demográfico. E os dois Estados desapareceram do horizonte israelense depois dos fracassos negociais de 2000-2001, 2008 e 2014.

Cinquenta anos atrás, uma vitória militar épica criou um problema igualmente épico. Resolver esse problema não será tarefa para seis dias, ou seis anos, ou seis décadas.


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