Folha de S. Paulo


O novo autoritarismo tem mais hipóteses de sucesso do que o antigo

Dmitri Lovetsky/AP
Legenda:In this Monday, Feb. 20, 2017 traditional Russian wooden dolls called Matryoshka depicting US President Donald Trump, centre left and Russian President Vladimir Putin are displayed for sale at a souvenir street shop in St.Petersburg, Russia.?The Kremlin refrained from comment Tuesday, Feb. 21, 2017 on the appointment of the new U.S. national security adviser Army Lt. Gen. H.R. McMaster, but one lawmaker said he was likely to take a hawkish stance toward Russia. (AP Photo/Dmitri Lovetsky) ORG XMIT: MOSB115
As tradicionais "matrioshkas" ganharam versão Trump e Putin em uma loja de São Petersburgo

Uma das grandes mentiras da política moderna é a crença ingênua de que a liberdade é uma paixão universal. Não é. A liberdade significa também um fardo de responsabilidade que nem todos estão dispostos a suportar.

Nesse capítulo, creio que Thomas Hobbes (1588-1679) estava essencialmente certo: as pessoas temem a violência, a escassez, a morte. É a segurança, e não a liberdade, que a maioria deseja.

Isso ficou provado nas experiências totalitárias do século 20. O fascismo e o nazismo, convém lembrar, tiveram amplo apoio das massas. Porque eram ideologias que defendiam as liberdades individuais?

Claro que não. Depois das ruínas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e das consequências devastadoras da Grande Depressão, havia nos europeus um desejo trágico de segurança. Mesmo que isso implicasse, como de fato implicou, a suspensão da democracia liberal.

O mesmo vale para o comunismo. Ou, melhor dizendo, para o fim do comunismo. A vontade de liberdade só se tornou premente quando as ilusões da segurança desapareceram. Onde estava a utopia de um mundo sem fome, sem exploração, sem medo?

Não estava. Se, por absurdo, o comunismo tivesse garantido o conforto material que prometia aos seus escravos, questões de liberdade não teriam sido prioritárias.

É por isso que aplaudo o ensaio de Holly Case no sempre brilhante Aeon.com. O título é "The New Authoritarians" e o objetivo da historiadora da Universidade Brown é entender o novo autoritarismo –Putin, Erdogan, Órban– por contraposição ao velho.

E Holly Case oferece uma observação luminosa: o velho autoritarismo preocupou-se em criar o "homem novo", um esforço brutal que, pela sua natureza quimérica, arrastou crueldades igualmente brutais. Crueldades que, no limite, condenaram essas utopias à sua própria destruição.

O século 20 fez-se com "campos de trabalho" (ou de "reeducação"); propaganda maciça; cultos de personalidade; e outras fantasias mitômanas e sanguinárias, dispostas a elevar a raça, ou o proletariado, a alturas verdadeiramente homéricas.

O novo autoritarismo, pelo contrário, não está interessado em criar "homens novos". Basta que as partes respeitem o "contrato social" com o cinismo respectivo: o Estado garante as coisas básicas da vida; os indivíduos não ocupam as suas cabeças com o mundo sórdido da política. E as liberdades?

Leitor, leitor: você não leu o que eu escrevi no princípio?

O diagnóstico de Holly Case é certeiro. Mas falta uma conclusão: o novo autoritarismo tem mais hipóteses de sucesso do que o antigo. Precisamente pela sua falta de vocação totalitária.

Abandonando a ambição utópica de criar "homens novos", o autoritarismo do século 21 já fica satisfeito com o silêncio dos homens velhos.


Endereço da página: