I.
Anos atrás, acordei em um sábado. A família estava reunida na sala. Família toda. Dos parentes mais próximos aos distantes, como num episódio de "Os Sopranos". Alguns tinham lágrimas. Meu tio disse:
"Estamos aqui porque te amamos."
Avancei como um animal receoso e ele continuou:
"Podes fingir à vontade. Mas tu sabes que existem problemas."
Ri, desconversei, murmurei um "pelo amor de Deus" que não convenceu ninguém.
"Sabes que horas são?", perguntou a minha irmã.
"Dez, onze", respondi eu.
"São duas da tarde. E tu estás na cama. Que vida é essa?"
"A vida normal de um sábado", respondi.
"De um sábado, de um domingo, de uma segunda, de uma terça, de uma quarta...", minha irmã não passou de quarta. Chorava agora, ainda a semana não tinha terminado. E, com ela, chorava eu.
"Este é o r. Ernesto", disse então o meu tio. "Ele está aqui para te ajudar."
"Eu não preciso de ajuda", disse eu, o supremo clichê cinéfilo.
"Toda a gente precisa de ajuda", avançou o Dr. Ernesto, um gnomo calvo com sorriso de Mona Lisa. "Sobretudo os que pensam que não precisam. Desististe da vida. Estou aqui, estamos todos, para que regresses a ela."
Limpei as lágrimas, olhei para a minha mãe que me fitava com preocupação e ternura. Disse um "está bem" e, como nos jogos de futebol, a equipe aproximou-se para me abraçar depois do gol.
II.
Começaram as sessões. A infância ocupou as primeiras três. A adolescência, as três seguintes. Entediado, o médico tentava encontrar uma pista, um padrão. Uma chave. Nada se abria.
"A que horas te levantaste hoje?"
"Duas da tarde."
"Não mintas."
"Três."
Com frustração crescente, o dr. Ernesto mandou chamar a infantaria. Avançou a mirtazapina; engordei dez quilos. Seguiu-se a fluoxetina; emagreci dez e ainda perdi outros dez. A paroxetina devolveu-me o peso perdido; infelizmente, roubou-me a única parte do corpo que gostava de se mexer com regularidade. Nova reunião de família.
"Não tenho boas notícias", disse o gnomo, sem o sorriso renascentista. "Com a medicação, a única coisa que conseguimos foi reduzir das duas da tarde para a uma da tarde."
O meu tio perguntou: "É possível chegar ao meio-dia?"
"Com sorte. Não garanto."
Havia derrota no rosto da família. A minha irmã, segurando heroicamente as rédeas, formulou a questão que se impunha:
"O senhor pelo menos sabe qual é o problema?"
O médico desceu o olhar, encolheu os ombros e depois de uma longa pausa, arriscou um palpite.
"Em 30 anos de clínica, já encontrei de tudo. Mas este é talvez o caso mais grave de..."
A família inclinou-se sobre as palavras do especialista, que hesitavam em sair.
"... eu posso estar enganado, claro...", dizia ele, em estratégia de recuo.
"Diga, homem!", ordenou-lhe a minha irmã.
"Preguiça!", soltou o desgraçado, como quem se permite a um último suspiro. "Ele sofre de preguiça."
III.
Não é fácil sofrer de preguiça. De todas as doenças, essa é talvez a menos socialmente aceitável. Familiares nunca aceitaram o diagnóstico. Por que motivo ele está no sofá enquanto os outros preparam o jantar? Que horror é esse a lavar os pratos? E que necessidade ele tem de despertar bem cedo, abrir a janela, dizer adeus a quem vai trabalhar –para depois voltar para a cama, dormir mais um pouco, antes de ler e escrever e pensar?
Algumas amizades, alguns amores, não sobreviveram. "Você faltou ao encontro." "Você não devolve os telefonemas." "Você ainda se lembra que eu existo?" Quantas vezes eu escutei essas lancinantes frases. E quantas vezes respondi a elas. "Minha doença."
Descrença. Já pensei em mostrar provas do que afirmo: lombalgias, dorsalgias, pubalgias –há atestados médicos para todas as gias.
Com o tempo, aprendemos que a única forma de lidar com a preguiça é fazer o contrário dos intolerantes: simplesmente aceitá-la. É o meu conselho para quem vive a dor no anonimato e na vergonha.
O ideal, aliás, era criar uma associação para lutar pelos direitos de quem sofre com culpas. Mas como isso dá algum trabalho, minhas desculpas: preciso dormir primeiro sobre o assunto.