Folha de S. Paulo


Um salto para o abismo

E agora, Grécia? Os eleitores votaram no plebiscito e disseram um sonoro "não". Claro que, para sermos rigorosos, o "não" grego não foi dirigido a nenhuma proposta concreta da União Europeia sobre reformas e ajustamento fiscal. A proposta que existia já não existe mais.

O "não" foi um "não" à "austeridade". E foi um "sim" ao atual governo, uma exótica combinação de extrema-esquerda com extrema-direita.

Mas, se o mundo pensa que domingo foi um dia decisivo na Grécia, o mundo está errado. Os dias decisivos vêm agora porque a pergunta, a terrível pergunta, não desapareceu dos radares: quem paga a conta?

Sim, quem está disposto a perder parte do dinheiro que emprestou à Grécia se houver um perdão de dívida, como Atenas exige? E quem, perdoando a dívida, está também disposto a emprestar mais 50 bilhões de euros (estimativa do FMI) para que o país continue no mundo dos vivos?

E, no entanto, essa pergunta foi ocultada nas discussões sobre o problema grego. Até Barack Obama, com a displicência dos simples, não entende por que motivo a Europa não resolve o assunto grego, que vale uns míseros 2% do PIB europeu.

Obama comete o erro comum de imaginar que a União Europeia é como os Estados Unidos: uma realidade federal que pode resgatar uma qualquer Califórnia falida sem que os europeus levantem uma pálpebra. Obama esquece-se que não existem "europeus".

Em primeiro lugar, existem portugueses, espanhóis, franceses, alemães. E existem governos que respondem diretamente perante os seus povos.

Se, por hipótese, o governo português defendesse publicamente que os portugueses teriam novo agravamento de impostos e cortes de rendimentos para perdoar a dívida grega e injetar mais dinheiro no país, o governo, qualquer governo, não sobreviveria para contar.

Mas o problema grego não se limita a questões financeiras. Existem as duras realidades da política: o que aconteceria na Europa se as exigências gregas fossem acolhidas por Bruxelas?

Simples: isso seria a "syrização" da Europa. Na Espanha, por exemplo, partidos como o Podemos seguiriam o mesmo caminho, com o mesmo tipo de exigências –e uma redobrada autoridade para fazê-lo. Como abrir uma exceção para a Grécia sem fazer o mesmo para outros países submetidos a programas de ajustamento?

E o inverso também é válido: que consequências isso teria entre os países credores, sobretudo do norte da Europa, onde movimentos nacionalistas aproveitariam tais benesses para crescer eleitoralmente e até tomar o poder?

Os gregos escolheram democraticamente o fim da "austeridade". Em teoria, isso é poético de dizer. Mas, na prática, é preciso lembrar dois pormenores.

O primeiro, repito, é que a Grécia é apenas uma democracia entre várias democracias. Respeitar as escolhas democráticas dos gregos significa também respeitar as escolhas democráticas dos restantes países da zona do euro.

Mas é preciso também lembrar que a "austeridade" não é uma questão de gosto. É uma dura imposição da realidade. Quando os gastos superam as receitas, e a via do endividamento se esgota, é preciso encontrar o dinheiro que paga o uísque das crianças.

Esse cenário pode ficar mais sombrio agora: se não houver acordo com as instituições europeias –um acordo que implicará para sempre as reformas que o governo grego, até hoje, não quis fazer– não se entende de que forma o Banco Central Europeu poderá garantir liquidez à banca helênica.

E, perante o colapso do sistema bancário, a saída do euro e a necessidade de imprimir moeda própria soa a inevitabilidade. Com uma agravante: se os europeus não salvam os gregos, terão que ser os próprios gregos a fazê-lo.

Não é de admirar que, nos últimos dias, cenários de "bail-in" fossem apresentados como prováveis por vários analistas: como em Chipre, poderá haver razias sobre os depósitos dos gregos. Esse corte pode chegar aos 30% nos depósitos acima dos 8 mil euros.

No domingo, muitos aplaudiram a coragem dos gregos em votar "não". Mas, como defendiam os antepassados filosóficos do povo helênico, há momentos em que a coragem é apenas temeridade: um salto para o abismo, independentemente das consequências.


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