Folha de S. Paulo


"Vive la France"?

Sazonalmente, a pergunta retorna: por que motivo a França já não ocupa os píncaros do debate intelectual? De fato. Olhamos para a primeira metade do século 20. E, só de memória, é possível fazer uma longa lista de pensadores ou escritores – Sartre, Beauvoir, Camus, Gide– que marcaram as modas. E hoje? Onde estão literatos comparáveis?

Sudhir Hazareesingh, um acadêmico com reconhecível costela francófila (o seu livro mais recente é "How the French Think: An Affectionate Portrait of an Intellectual People"), escreve a respeito no "The Guardian". Para nos dizer: a pátria que nos deu os modismos do século –do existencialismo ao estruturalismo– está remetida a um canto provinciano e estéril.

O fenômeno, para o autor, é singular do ponto de vista histórico. Quando olhamos para os últimos dois séculos, que encontramos nós na França?

Simples: as correntes e contracorrentes que marcaram a modernidade ocidental. O iluminismo francês (e o racionalismo associado) tornou-se "língua franca" nas discussões políticas e filosóficas de um continente inteiro. A Revolução de 1789 foi o paradigma de todas as grandes revoluções posteriores –na Europa ou fora dela.

E Paris, a cidade, foi durante longo tempo a metrópole maior das artes e das letras –e, acrescento eu, o ímã existencial para incontáveis artistas e intelectuais vindos dos quatro cantos do mundo.

Tudo isso parece ter acabado, embora Sudhir Hazareesingh não ofereça explicações satisfatórias.

A primeira, evidente e recorrente, lida com o declínio político da França no grande "concerto das nações". Esse declínio começou com a subjugação do país frente aos nazistas (logo em 1940), prolongou-se com os desastres coloniais posteriores (Indochina, Argélia) e terminou em irrelevância na nova União Europeia.

O autor não se alonga nesse último quesito, mas ele merece uma maior atenção. Porque a França de hoje ocupa um lugar assaz irônico na Europa: na década de 1990, para aceitar uma Alemanha reunificada depois da queda do Muro de Berlim, François Mitterrand impôs o euro como condição. A ideia de Mitterrand era privar os alemães do poderoso marco, concedendo assim à França a sua primazia –no fundo, a sua "mission civilisatrice"– sem a sombra do gigante alemão.

Azar: hoje, a Europa é uma realidade germânica, não francesa; Paris ocupa um lugar secundário nas decisões tomadas por Berlim (e Bruxelas).

Mas as explicações de Sudhir Hazareesingh também não são convincentes porque o autor esquece um pormenor fulcral: quando o império soviético se dissolveu na última década do século 20, não ficaram apenas ruínas materiais nos países do Pacto de Varsóvia. Também é possível encontrar órfãos intelectuais, que passaram a escrever e a pensar para uma plateia vazia.

Pior: uma plateia que ficou vazia ao recordar a forma abjeta como vários dos seus autores diletos –Sartre é sempre o exemplo máximo, mas não o único– conferiram respeitabilidade teórica a regimes políticos objetivamente inumanos. O fim do comunismo ditou o fim do intelectual público gaulês.

Finalmente, Sudhir Hazareesingh lamenta que a dimensão "holística" da cultura francesa se tenha perdido pelo caminho. E por "holística" pretende o autor designar a ambição do intelectual de encontrar (e explicar) a "verdade do mundo" de forma global e sistemática.

O que o autor não aprofunda competentemente é o contributo que vários intelectuais franceses tiveram –com Jacques Derrida em lugar de destaque– em "desconstruir" essa mesma ambição holística e as noções de "certeza" ou "verdade" que lhe estavam associadas. Se as "grandes narrativas" ideológicas deixaram de existir, foi porque a França se especializou em destruí-las.

O declínio da França pode não ser irreversível –afirmar o contrário seria cair no mesmo erro "historicista" de muitos dos seus sábios.

Mas com uma Europa "germânica"; uma língua inglesa dominante; uma economia cada vez mais periférica; e quilos e quilos de bibliografia inútil, que nasce e morre dentro das fronteiras francesas e que apenas são importadas por universidades de terceira categoria, o que resta?

Pessoalmente, restam alguns nomes do meu panteão –como os citados Camus e Gide; como os esquecidos Aron e Jouvenel– e, claro, os queijos e os vinhos. Que, aliás, continuam excelentes.


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