Folha de S. Paulo


A arte da fuga

Juro que já tinha pensado no assunto: o mundo está saturado de "apps" ridículos e inúteis que fazem da vida cotidiana um jardim infantil para adultos. Mas faltava um –apenas um- que eu instalaria no meu iPhone sem hesitar: um aplicativo qualquer que me avisasse a tempo e horas sempre que um personagem indesejado estivesse na minha área.

Imaginava o filme: saía para jantar. Escolhia dois destinos possíveis. E depois o celular informava que no primeiro também estava aquele colega débil mental que tem uma paixão verborrágica por Fórmula 1. Isso permitiria decidir imediatamente pelo segundo restaurante, evitando o encontro indigesto. Seria tão difícil assim inventar uma utopia tecnológica dessas?

As minhas preces foram atendidas: leio no diário português "Público" que já existe um "app" gratuito para iPhone e iPad que trata do assunto. O nome é "Cloak", está ligado a redes sociais como o Foursquare e o Instagram (por enquanto) e sinaliza no mapa virtual onde estão amigos, colegas, simples conhecidos.

Sem falar de outras faunas potencialmente perigosas, como ex-namoradas, patrões neuróticos, leitores insistentes que nos enviam manuscritos (pedindo opinião) e gente a quem devemos dinheiro.

Perante esse mapa, podemos sinalizar cada um dos indesejados e depois, sempre que eles surgirem no radar, será possível fugir e escolher outra região qualquer da cidade, sem sinais de contaminação.

Claro que existe sempre a possibilidade de também eu ser sinalizado por eles, o que no limite pode implicar um mundo onde toda a gente foge de toda a gente.

Nada a lamentar: se os estudos científicos provam que a hipocrisia social, pelo grau de stress que provoca, é um risco para a saúde pública, talvez o abençoado "Cloak" seja a maior proeza médica dos últimos 80 anos -desde, pelo menos, a descoberta da penicilina. Aliás, um Nobel para Chris Baker, o inventor do dito cujo, talvez fosse hipótese a considerar.


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